segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

MELHORES DO ANO - 2018

Para fechar o ano destaco os meus favoritos de 2018. Vale ressaltar que levo em consideração todos os filmes que foram lançados por aqui desde janeiro.Sei que muita gente vai discordar da minha opinião nas categorias, mas o mais interessante destas listas é fazer um resumo do ano, lembrar dos trabalhos que considero mais interessantes e, se você não assistiu, vale a pena procurar os filmes desconhecidos. Não importa se são filmes de super-heróis, sucessos, fracassos, se não passaram no cinema ou se são originais Netflix. Esta é a retrospectiva de meu 2018 com os responsáveis por torna-lo muito mais interessante:

ELENC
Parece até provocação que num ano em que o Brasil mais falava sobre ser de direita ou esquerda, Armando Ianucci lançasse um filme tão ácido e debochado. Em A Morte de Stalin o melhor é que não se trata de algo tendencioso, já que faz tempo que o humor de Ianucci é ambidestro e já alfinetou para todos os lados possíveis. Com a ajuda de um elenco em sintonia perfeita, um roteiro esperto e cheio de golpes certeiros, o filme foi um dos mais comentados do ano. Sendo assim os outros destaques do ano (o heróico Pantera Negra, o melancólico Custódia, o episódico A Balada de Buster Scruggs, o tom espirituoso de Mais Uma Chance e a provocação de The Square) foram derrubados... 

REVELAÇÃO DO AN
Dá para acreditar que Harry Melling era o primo gordinho chato de Harry Potter? Pois o rapaz cresceu e apareceu, surpreendendo por sua expressividade em um dos episódios mais complicados de A Balada de Buster Scruggs. Interpretando um artista sem membros e com falas que se repetem até o final, muito do que se passa no personagem é transmitidos pelo rosto do ator num trabalho sensacional! Espero que em breve possamos vê-lo em mais projetos, assim como a adolescente Elsie Fisher (Oitava Série), a mexicana Yalitzia Aparicio (Roma), a pequena Millicente Simmonds (que ficou famosa com o hit Um Lugar Silencioso, mas que apareceu pela primeira vez com Sem Fôlego lançado no início do ano), a ladra de cenas Zazie Beetz (excelente como a Domino de Deadpool2) e Vicly Krieps (que não se intimidou diante do gigantesco Daniel Day Lewis em Trama Fantasma). 

ATRIZ CADJUVANTE
Quatro das atrizes que aparecem nesta categoria disputaram a mesma no Oscar. Foi um ano excelente para estas atrizes que chamaram atenção de muita gente pela primeira vez. Laurie Metcalf (Lady Bird), Lesley Manville (Trama Fantasma) e Mary J. Blige (Mudbound) fizeram bonito, mas foi Allison Janney que quebrou todos os limites como a mãe da patinadora Tonya Harding, numa atuação que era misto de mãe zelosa, vilã e caricatura em Eu, Tonya! Simplesmente sensacional! Completaram o páreo a ótima Eddie Falco numa das atuações mais tocantes de sua carreira no drama Ouside In e Blake Lively brincando com o clima noir de Um Pequeno Favor

ATOR CADJUVANTE
Conheci Simon Russell Beale nos episódios de Penny Dreadful e custei para reconhecê-lo em A Morte de Stalin. Na pele do ardiloso Lavrentiy Beriya ele causa medo e risadas, especialmente quando um emaranhado de conspirações toma conta da história - e ele não perde o ritmo em momento algum com os diálogos ágeis e jogos de interesses intermináveis. Impossível esquecê-lo! Assim como o trabalho de Christopher Plummer (famoso por substituir Kevin Spacey em cima da hora em Todo Dinheiro do Mundo), da dupla Woody Harrelson e Sam Rockwell (como policiais opostos em Três Anúncios para um Crime), o vilão de Michael B. Jordan (Pantera Negra) e Armie Hammer provando que não basta ser galã, tem que arrasar todos os corações de Me Chame Pelo seu Nome

CINEASTA REVELAÇÃ
Greta Gerwig entrou para a história como uma das poucas diretoras que já concorreram ao Oscar de direção - sendo a primeira a ser praticamente uma estreante (antes ela dividiu a direção de Nights and Weekends/2008 com Joe Swanberg). Greta fez de Lady Bird o filme queridinho da temporada. Ainda que muita gente considere que o filme não era para tanto, sua firmeza na direção e a capacidade de fazer drama e humor nos detalhes, a colocam como uma das diretoras mais interessantes de Hollywood (tanto que seu novo projeto é uma versão do clássico Little Women). Outros nomes interessantes para se ficar de olho são Jennifer Fox (que demonstra grande coragem na condução de O Conto), Cory Finley (com firmeza impressionante em Thoroughbreds), Ari Laster (que causou alguns dos momentos mais estranhos do ano com Hereditário), Matt Spicer (que surpreendeu com o humor crítico de Ingrid Vai para o Oeste) e Bo Burnham que elevou o drama adolescente para outro patamar com Oitava Série). 

MELHOR ATR 
Realmente não consigo escolher outro ator para representar  a melhor atuação masculina do ano que não seja Rami Malek na pele de Freddie Mercury em Bohemian Rhapsody. É verdade que o filme tem problemas, mas o trabalho quase mediúnico do ator nos faz esquecer os tropeços pelo meio do caminho. Em várias cenas eu até esquecia que estava diante de uma interpretação e imaginava estar diante do cantor novamente. Os outros favoritos do ano foram Jay Duplass com cara de quem precisa de um bom abraço em Outside In, Bradley Cooper no melhor trabalho de sua carreira em Nasce Uma Estrela (e o rapaz ainda estreou na direção com o pé direito), além de Denzel Washington no seu melhor trabalho em muito tempo com Roman J. Israel. Thimotée Chalamet também fez bonito ao se revelar para o grande público com Me Chame pelo seu Nome (eu lembro deste mocinho já interessante na série Homeland) e para fechar o sexteto, Daniel Day Lewis em mais uma de suas últimas atuações em Trama Fantasma (mas pedindo com jeitinho ele volta). 

MELHR ATRIZ
Margot Robbie não apenas entregou a atuação feminina mais interessante do ano, como também provou ter coragem de se arriscar como produtora de um material bastante controverso. Não é qualquer uma que teria o destemor de levar para as telas a versão da patinadora Tonya Harding sobre um dos maiores escândalos do mundo dos esportes. Em Eu, Tonya, Margot está arrasadora! Seu trabalho tem tantas camadas que temos a impressão que ela aguentaria mais cinco horas na pele da personagem! Pelo trabalho até concorreu ao Oscar (ao lado de Sally Hawkins no oscarizado A Forma da Água), mas não levou. Quem também fez bonito foi Kathryn Hahn ótima como uma mulher lutando contra o seu relógio biológico (Mais Uma Chance), Karine Teles penando nas contradições de uma mãe zelosa (em Benzinho, meu filme brasileiro favorito do ano), Toni Collette descobrindo que sua família padece de uma terrível maldição (Hereditário) e Emily Blunt excelente na cena de parto mais arrepiante do cinema (Um Lugar Silencioso). 

MELHOR ROTEIR
Esta é a categoria mais complicada de todas, sempre fico perdido sobre as qualidades que estou avaliando num roteiro - e tento não deixar me influenciar pelo resto do filme. Assim, The Square: A Arte da Discórdia foi o que mais me chamou atenção por suas provocações de um mundo onde até a arte e seus apreciadores precisam redefinir alguns conceitos (ou não?). Eu também curti muito o texto de As Aventuras de Brigsby Bear, o considerando um dos mais originais dos últimos anos. Mais uma Chance e Gente de Bem tem pontos em comum, mas seguem por caminhos diferentes em sua abordagem de pessoas comuns em dramas cotidianos. Sem Amor me deixa devastado só de ver o trailer (mas eu vi o filme e fiquei arrepiado com o que se passa na tela) e Ingrid Vai para o Oeste é uma dessas pérolas que retrata uma geração de forma bastante afiada. 

DIREÇÃ
O sueco Ruben Östlund é um destes casos que você descobre os filmes recentes dele e quer conhecer tudo o que ele já fez (e vale a pena). The Square é seu quinto longa-metragem e já deixou claro que embora faça parte do time de cineastas europeus provocadores, ele é menos sisudo que os seus colegas - e sabe fazer refletir sem apelar para polêmicas gratuitas. Outros trabalhos de destaque em 2018 foram os de Luca Guadagnino que fez de Me Chame Pelo seu Nome um dos filmes mais belos de se assistir em 2018. Dee Rees que cria uma narrativa magnificamente humanista em Mudbound, John Krasinski que desafiou o impossível num filme de terror comercial com Um Lugar Silencioso, Alfonso Cuarón que filmou suas memórias no pessoal Roma e Tamara Jenkins com a tragicômica saga de um casal em busca de aumentar a família em Mais Uma Chance

FILME DO AN
Só para ter ideia, The Square: A Arte da Discórdia estreou por aqui em janeiro e continuou na minha cabeça o ano inteiro - e sintetiza muita coisa que aconteceu no ano em que sobrevivemos. Uma verdadeira colagem de episódios que nos fazem questionar como a arte é capaz de nos conectar com o mundo (ou seria o contrário?). Um dos filmes mais inteligentes e provocadores que já assisti e, o mais importante, sem perder o bom humor! Neste ano dois documentários também chamaram muito a minha atenção, Visages Villages (que me deixou até triste quando terminou sua jornada) e Três Estranhos Idênticos dois documentários que não poderiam ser mais diferentes e envolventes. Minha animação favorita do ano, Ilha dos Cachorros de Wes Anderson já tem minha torcida para a temporada de prêmios que se aproxima. Mudbound fez menos sucesso do que deveria e merece ser redescoberto por qualquer pessoa que curta bom cinema - o filme possui algumas das cenas mais bonitas que vi no ano (e algumas bastante assustadoras também). Me Chame Pelo Seu Nome parece que já nasceu clássico e seu sucesso foi tão grande em todo mundo que deve render algumas sequências sobre o romance entre Théo e Oliver. Como já disse antes, Benzinho foi meu filme brasileiro favorito do ano! Uma pequena obra-prima sobre o complicado laço entre uma mãe e o filho que quer ganhar o mundo - ele é o total oposto de Sem Amor, um dos filmes mais dolorosamente cinzentos que já assisti. Lançado no finalzinho do ano, Roma se tornou o mais elogiado de 2018 e ganhou pontos pela beleza que emana ao contar uma história aparentemente banal. Para fechar, Eu, Tonya, um exercício narrativo exuberante sobre uma das personagens mais controversas do esporte americano. A capa do blog no mês de dezembro foi um apanhado dos meus favoritos do ano!


Estes foram os filmes que fizeram meu ano que termina, quais foram os seus? 
Que venha 2019!

PL►Y: Black Mirror: Bandersnatch

Finn: labirinto de escolhas narrativas

O título de produção mais falada deste finalzinho de ano é Bandersnatch, o longa-metragem de Black Mirror lançado em formato inovador pela Netflix. O filme foi anunciado na véspera de seu lançamento no serviço de streaming e, cercado de mistério deixou os fãs ainda mais curiosos. O fato é que a narrativa de Bansdersnatch se constrói aos poucos, conforme o espectador realiza escolhas diante das opções que aparecem na tela. Cada escolha gera o acontecimento seguinte, por vezes leva você a lugar algum, em outras gera truques que fazem sua escolha não parecer relevante ou destina você para um dos vários finais que o programa preparou (e a mesma resposta diante de um encadeamento diferente pode levar para novos caminhos), o mais decepcionante é quando você sente que desviou demais da rota e precisa voltar. Este formato já foi utilizado antes no pífio Mosaic de Steven Soderbergh, que confiou tanto na inovação que esqueceu de criar uma história interessante. Nas mãos de Charlie Brooker, a ideia faz mais sentido, uma vez que o selo Black Mirror faz sucesso justamente por explorar nossa relação com a tecnologia e as obsessões que nascem dela. As escolhas que fazemos em Bandersnatch só nos fazem pensar no que poderia ter acontecido se seguíssemos uma escolha diferente - e a produção pode durar muito tempo em suas mãos. Pensando assim, parece até que somos um personagem da série. O filme é ambientado nos anos 1980 e conta a história de um jovem programador chamado Stefan ( o interessante Finn Whitehead de Dunkirk/2017) que trabalha em um game baseado num livro onde é o leitor que faz as escolhas do protagonista. Diante das inúmeras possibilidades que propõe, o projeto de Stefan se assemelha ao que vemos no filme e cria contornos de metalinguagem em vários momentos. Tudo daria certo se durante o trabalho, Stefan não perdesse o limite entre realidade e ficção. É interessante como um projeto tão ambicioso e cheio de possibilidades como Bandersnatch esgarça as próprias limitações do formato, já que as escolhas nem sempre geram uma história tão diferente como se espera (e a sensação de bater com a cara na porta  ou chegar num ponto em que só resta retornar está longe de ser interessante). Da mesma forma, em termos de escrita, o roteiro precisa construir ganchos que se repetem para costurar o que não se sabe se o espectador viu anteriormente - o que por vezes torna um programa repetitivo. Em termos de atuação, o melhor trabalho é o de Finn, que está brilhante em cena, costurando nossas escolhas com uma desenvoltura realmente convincente. Em três horas eu cheguei no fim da linha algumas vezes, encontrei três finais diferente e já vi na internet que outras pessoas descobriram outras cenas e desfechos. Não consegui desbravar todos os finais e possibilidades do filme, que se parece cada vez mais um jogo com seus níveis diferentes e outros mais secretos. Bandersnatch pode não ter explorado todas as possibilidades que tinha em mãos (será que os pontos mais sombrios ficam pelo meio do caminho mesmo?), mas mantém a curiosidade do espectador por um bom tempo diante do que oferece. 

Bandersnatch (EUA-2018) de David Slade com Finn Whitehead,  Craig Parkinson, Alice Lowe, Will Poulter e Jonathan Aris. ☻☻☻☻

Na Tela: Bumblebee

Haille e Bee: química que faz a diferença. 

Como a maioria dos garotos dos anos 1980 eu era fã dos Transformers. Tinha brinquedos, gibis e não perdia um episódio do desenho que passava nas manhãs da Globo. Quando os personagens ganharam a tela de cinema, eu fiquei até empolgado com o primeiro filme dirigido por Michael Bay. É verdade que tinha alguns exageros em sua transição para os filmes de ação do século XXI, os personagens não tinham a mesma personalidade de um desenho para crianças (e isso não é um elogio), mas a ideia era que nas sequências a coisa melhorasse. Não foi bem assim. A franquia acabou virando uma verdadeira confusão com robôs gigantes lutando a maior parte do tempo e destruindo tudo o que viam pela frente.  Por conta disso, no segundo filme eu desisti das aventuras no cinema e Transformers entrou para o mesmo grupo de G.I. Joe (outra grande decepção para os cinéfilos que foram meninos dos anos 1980): personagens que deveriam ficar só no desenho. Com o quinto episódio (intitulado O Primeiro Cavaleiro/2017) arrecadando bem menos do que o esperado, o sinal de alerta soou e os produtores resolveram repaginar a franquia. Para isso, apelaram para um dos personagens mais carismáticos da série, o amarelo Bumblebee. Sai o estilo megalomaníaco de Bay e entra o tom espirituoso de Travis Knight. Knight ficou famoso com o sucesso estiloso de Kubo e As Cordas Mágicas (2016), Bumblebee é apenas o seu segundo filme na direção, sendo o primeiro a filmar com atores de carne e osso. Sua escolha demonstra ser um acerto, já que ele consegue desenvolver bem a química entre um personagem criado por computador e uma adolescente. O filme começa apresentando a fuga do planeta Cybertron e o papel importante de B-127 (nome verdadeiro do personagem título) no plano do líder Optimus Prime na fuga para a Terra. Chegando à Terra o robô já percebe que é perseguido por seus oponentes e acaba tendo seu mecanismo de fala danificado antes de se transformar em um fusca (e que rende um dos seus aspectos mais charmosos com o uso de músicas). É nesta forma que ele será descoberto pela adolescente Charlie (Hailee Steinfeld) nos anos 1980, que irá repará-lo e viver aventuras nunca imaginadas ao descobrir que seu primeiro carro é mais especial do que ela pensava. Embora tenha bastante cenas de ação, Bumblebee funciona bem como uma comédia despretensiosa com as trapalhadas de seu protagonista cibernético, mas para o preço do o roteiro não trazer nada demais. Os dramas de Charlie já foram vistos antes em dezenas de filmes e o plano dos vilões Decepticons só funciona mesmo por total incompetência das autoridades que aparecem no filme. É um filme fácil de se assistir e até de gostar, serve para colocar os filmes dos Transformers novamente com o coração pulsando em meio à lataria e agregar novos fãs (principalmente os miúdos). Os críticos se renderam ao filme pelo seu tom nostálgico e colorido com ótima trilha sonora (destaque para The Smiths na trilha), além da simpatia de Hailee Steinfeld que demonstra ser uma das jovens atrizes mais descoladas de Hollywood... mas em termos de cinema, não chega a ser mais do que um passatempo para este fim de ano. 

Bumblebee (EUA-2018) de Travis Knight com Hailee Steinfeld, Jorge Lendeborg Jr, John Cena, Jason Druker, Pamela Adlon, Stephen Schneider, Ricardo Hoyos e John Ortiz. ☻☻☻

sábado, 29 de dezembro de 2018

MELHORES DA TV - 2018

2018 foi um ano estranho. Não houve as novas temporadas de Stranger Things, Veep, Mindhunter e Mr. Robot por motivos variados. A segunda temporada de Westworld rendeu mais roncos do que interesse e duas de minhas favoritas chegaram ao fim. Uma delas já era sabido, a outra pegou de surpresa todo mundo que ficou babando pela sua brilhante terceira temporada. Antes que eu diga mais do que eu devo, seguem os meus favoritos do ano:

SÉRIE DE COMÉDIA
Eu não imaginava que a minissérie Maniac seria meu programa cômico favorito da temporada, se ele não houvesse aparecido, provavelmente eu teria escolhido Silicon Valley (que ficou uma beleza sem o chato do T.J. Miller no caminho). Em Maniac, Cary Fukunaga acerta em cheio com um programa que flerta com a insanidade, com a identidade e muito delírio. Adoraria ver mais uma temporada, mas vamos ver o que acontece. Orange is The New Black acabou entregando sua temporada mais sombria, mas deixando sua carga cômica afiada. A segunda temporada de Glow também recebeu elogios, embora eu tenha curtido mais a primeira (e esteja muito ansioso pela terceira que vem por aí). Sem Veep no caminho, a HBO entregou a novata Barry que caiu no meu gosto nesta temporada. 

ATOR DE COMÉDIA
Primeiro deixa eu explicar que não sou grande fã de Jonah Hill (mesmo que o ex-gordinho tenha duas indicações ao Oscar no currículo). O fato é que diante das várias identidades assumidas nos devaneios de Maniac o rapaz se superou, por vezes era comovente, em outras era hilariante e entre uma e outra um sujeito comum. Seus colegas também estão muito bem em papéis bem diferentes entre si, mas foi Jonah que desafiou a própria versatilidade com vários papéis em uma única série. 

ATRIZ DE COMÉDIA
O mesmo serve para o trabalho de Emma Stone em Maniac. A atriz que tem um Oscar fresquinho na estante entregou o seu melhor trabalho demonstrando que sua veia cômica é realmente a mais latente. Parceira de Jonah Hill nas desventuras do labirinto mental proposto pela série, a atriz rendeu boas risadas em 2018. O mais engraçado é que a Netflix dominou a categoria com todas as concorrentes estando presentes em seu catálogo. 

ATOR COADJUVANTE 
A maior crueldade do ano foi a terceira temporada de Demolidor. A série apresentou episódios matadores e deixou o público com grande expectativa para a quarta temporada após a apresentação do vilão Mercenário vivido por Wilson Bethel no trabalho mais interessante da temporada. No entanto, nem o Rei do Crime de Vincent D'Onofrio teria a ideia de cancelar a série no auge do sucesso (gerando protestos infinitos de público e crítica). A maldade do serviço de streaming consegue ser ainda maior que a do misterioso Berlim (Pedro Alonso) de A Casa de Papel. Completando a disputa, Zach Woods aparece roubando a cena em Silicon Valley e o britânico Oliver Jackson-Cohen fez muita gente chorar no terror familiar de A Maldição da Residência Hill

ATRIZ COADJUVANTE
Patricia Clarkson é uma das minhas atrizes favoritas e se tornou um dos principais motivos para eu assistir o bocejante Sharp Objects até o fim. No papel de uma matriarca de voz tão macia quanto cortante, a atriz foi um arraso! Neste ano, outros trabalhos interessantes foram os de Sally Fields como a mãe psicanalista e Sonoya Mizuno como a auxiliar quase caricatural, ambas de Maniac. Kate Siegel também fez bonito como a irmã capaz de tocar as emoções dos outros em A Maldição da Residência Hill, assim como Alice Eve que deve voltar nas séries sobreviventes da Marvel como a vilã com dupla personalidade Mary Tifoyd da temporada final de Punho de Ferro.  

ATOR DE DRAMA
 Neste ano nos despedimos do espião russo mais querido das séries de TV, o Phillip (Matthew Rhys ) de The Americans. O ator viveu vários conflitos ao longo da série, sempre com uma dedicação absoluta, mas nada se compara às lágrimas do último episódio da temporada. A cena de sua ligação para o filho no último episódio da série é de rasgar o coração. Pelo trabalho o ator levou até o Emmy para casa e pode levar o Globo de Ouro também. Quem também concorre ao próximo Globo de Ouro é Daniel Brühl e Freddie Highmore em papéis que estreiam entre os meus favoritos. James Franco continua o esmero no papel duplo de The Deuce e Charlie Cox se despediu de Demolidor em grande estilo, retornando ao páreo após concorrer na primeira temporada da série. 

ATRIZ DE DRAMA
A sintonia entre Matthew e Keri Russell é tão grande que os dois casaram na vida real durante as filmagens de The Americans. Não faria sentido premiar um e não premiar o outro neste ano. Keri deixou a doce Felicity (cultuada série dos anos 1990) de lado e entregou uma atuação impecável como uma espiã dura na queda, mas que aos poucos começa a perceber que todos os riscos que correu foi por uma causa que viraria pó nos jogos políticos da Guerra Fria. Quase que Elisabeth Moss foi a eleita neste ano por seu trabalho primoroso no arrepiante The Handmaid's Tale. Claire Foy também continua fazendo bonito em The Crown, a australiana Toni Collette também teve um grande ano por seu trabalho no cinema e na série inglesa Wanderlust - onde se aventura pelo casamento aberto. Quem também chamou atenção na telinha foi Amy Adams, sendo um dos motivos para aguentar a trama inerte de Sharp Objects ao longo dos capítulos. 

SÉRIE DE DRAMA
A sexta temporada foi a despedida de The Americans, uma série que nunca fez sucesso proporcional às suas qualidades. A cada temporada os desafios do casal de espiões russos disfarçados em solo americano se tornavam maiores nos anos 1980 - e o programa se tornava cada vez melhor. Esta temporada foi um arremate brilhante para os anos em que acompanhamos Phillip e Elizabeth, tendo um dos últimos episódios mais sensacionais que já assisti na TV. Perto dele, todos os excelentes concorrentes ficaram em segundo plano. Sentirei saudade da série que nos deixa num período bastante complicado na política mundial. 

Na Tela: A Casa que Jack Construiu

Riley e Matt: as ideias de um psicopata vista por dentro. 

Em seus primeiros trabalhos como cineasta nos anos 1980, o dinamarquês Lars Von Trier já dizia que um filme deve ser uma pedra no sapato. Isso foi bem antes dele cair no radar do Oscar quando Emily Watson foi revelada no seu Ondas do Destino/1996 ou ficar famoso como um dos fundadores do movimento Dogma95 - assinado junto com outros cineastas conterrâneos (Trier fez apenas um filme seguindo aqueles fundamentos: Os Idiotas/1998). Logo em seguida ganhou a Palma de Ouro em Cannes por um trabalho contrário a tudo o que o movimento pregava, o musical deprimente Dançando no Escuro/2000 estrelado pela cantora islandesa Björk (que falou horrores de seu trabalho com o dinamarquês). Lars quase levou outra Palma novamente com o antológico Dogville/2003, talvez a sua verdadeira obra-prima - mas ele ficou tão decepcionado com a recepção da sequência, Manderlay/2005, que a terceira parte daquela trilogia (Wasington) nunca saiu do mundo das ideias. O mundo percebeu que Lars era um grande provocador, avesso a qualquer bem estar na sala escura, mesmo quando fazia comédia (O Grande Chefe/2006, o maior fracasso de sua carreira) o resultado era desagradável. Quem não o conhecia estranhou ainda mais quando ele radicalizou conciliando terror e pornografia em O Anticristo/2009, que rendeu para sua protagonista (Charlotte Gainsbourg) o prêmio de interpretação feminina em Cannes. O passo seguinte foi Kirsten Dunst alcançar o mesmo reconhecimento com Melancolia (2011), onde o fim do mundo é a menor das preocupações de uma noiva deprimida. Foi com o lançamento deste filme que Lars foi expulso do Festival de Cannes após fazer comentários sobre o nazismo - pouco depois de anunciar que seu sonho era fazer um filme erótico com Dunst (o que rendeu risadas na coletiva de imprensa). Não era piada (e Dunst pulou fora). Com pouco mais de quatro horas de duração, Ninfomaníaca/2013 foi lançado em duas partes e deixou claro que para o diretor um filme continuava sendo uma (enorme) pedra no sapato. Depois de fazer um filme onde sexo explícito é a ordem (ainda que com reflexões pretensamente filosóficas), me parece um tanto óbvio que Lars se rendesse a um filme em que um serial killer é o protagonista. A Casa que Jack Construiu provocou protestos, enjoos e debandada das salas de cinema em sua primeira exibição (e eu realmente não entendo o que as pessoas esperavam ver de um filme do diretor com este ponto de partida). Hesitei muito para ver o filme e quando o fiz sabia que ele estaria na minha lista pessoal de filmes mais desagradáveis que já assisti (e antes dele era Irreversível/2002 que contava com a medalha de ouro). Estranho, desconfortável e bizarro, Jack é um desafio aos nervos do espectador que acompanhar em seu ritmo lento e arrastado, a mente doentia de um assassino em série. Existem trocentos filmes sobre este tipo de personagem, mas nenhum deles tentou reproduzir as ideias eles da forma como vemos aqui. O fio condutor não é uma investigação policial para capturar o assassino, pelo contrário, a condução fica por conta dos vários assassinatos de mulheres, homens e crianças pela mão de Jack (Matt Dillon), um engenheiro que queria ser arquiteto e que conversa com o poeta alegórico romano Virgílio (Bruno Ganz) para nos fazer acreditar que seus crimes são uma verdadeira obra de arte. Há quem considere que Jack é o alter-ego de Trier, que já está cansado das pancadas que recebe dos críticos, mas acho esta interpretação bem menos interessante do que um diretor ousado desconstruindo este subgênero. As mortes não são estilosas ou sedutoras, são cruas, toscas, cruéis e difíceis de assistir e -  mesmo com vários filmes apresentando mortes às pencas todos os anos, fica difícil olhar para telona. A diferença é justamente Jack matando e dizendo que o que ele faz é arte - esta é de fato a grande provocação do filme (e que Trier paga o preço de quase sucumbir na dicotomia entre criticar ou endossar). Para além das crueldades, o roteiro é cheio de ironias e sarcasmos, tendo em Matt Dillon um porto seguro, dado o seu destemor na pele do personagem. A idade fez Dillon se tornar uma ator interessantíssimo e seu trabalho é um primor na transição do personagem que começa um tanto patético em seu transtorno obsessivo compulsivo e mania de limpeza, mas que aos poucos se torna cada vez mais desleixado e indiferente ao que está ao seu redor (lendo assim parece até que matar é também o seu tratamento). Sua expressão muda, sua voz se transforma e sua postura se torna cada vez mais segura, mesmo que o filme se torne bastante exaustivo quando se aproxima de sua segunda hora de projeção.  Haja paciência (e estômago) para ver algumas cenas.  Ao final, Trier se rende de vez às alegorias de sua narrativa e leva seu personagem diretamente para o inferno, rendendo um dos desfechos mais interessantes da obra do cineasta. O resultado é um verdadeiro pesadelo. Pontuado várias vezes com o hit Fame de David Bowie (que ao final cede espaço para outro clássico, que só confirma como o humor de Trier é tóxico), A Casa que Jack Construiu não é uma pedra no sapato, é um punhal mesmo. 

A Casa que Jack Construiu (The House That Jack Built/Dinamarca, França, Alemanha, Suécia - 2018) de Lars Von Trier com Matt Dillon, Bruno Ganz, Uma Thurman, Riley Keough, Jeremy Davies, Sioban Fallon Hogan e Sofie Gråbøl. ☻☻☻

PL►Y: Bird Box

Bullock e as crianças: olhar é um perigo. 

A Netflix acabou de anunciar que seu filme recordista de audiência de 2018 é sua produção original Bird Box. Com quarenta e cinco milhões de acessos em seus primeiros sete dias no serviço de streaming, a produção estrelada por Sandra Bullock é um enorme sucesso (e muito desta popularidade se deve à atriz que ousou embarcar no projeto)! Basta ver como nas redes sociais o público está constantemente falando sobre ele, seja em memes, seja em informações que aparecem na internet... o filme é um suspense baseado no livro de Josh Malerman, sobre uma criatura que quando vista afeta as emoções das pessoas que se tornam agressivas ao extremo. Enlouquecidas, elas cometem não apenas homicídio como também suicídio. Quando o filme começa conhecemos Malorie (Sandra Bullock) e duas crianças que pretendem atravessar um rio em busca de um lugar que ouviram ser seguro através de uma mensagem de rádio. Durante a travessia, a narrativa é cortada por flashbacks que contam como a protagonista chegou àquela situação, como ela presenciou os primeiros surtos coletivos, como conseguiu sobreviver até aquele ponto e, principalmente, porque é importante manter os olhos vendados quase o tempo todo. Sandra Bullock apresenta aqui mais um belo trabalho, confirmando sua maturidade como intérprete e vale ressaltar que além das duas crianças talentosas (os fofos Vivien Lyra Blair e Julian Edwards), ela conta com um elenco de apoio bastante interessante com nomes consagrados (Sarah Paulson, John Malkovich, Jacki Reaver e Tom Hollander) e outros que merecem atenção (Trevante Rhodes de Moonlight/2016 e Danielle MacDonald de Patti Cakes/2017) que ajudam a manter a tensão perante o desconhecido. A direção fica por conta da dinamarquesa Suzanne Bier, uma escolha interessante, já que Suzanne é famosa por filmes europeus densos, mas que de vez em quando derrapa no melodrama - ela até já recebeu um Oscar de Filme Estrangeiro por conta disso com o superestimado Em Um Mundo Melhor/2010. Aqui ela também se rende ao melodrama em vários momentos, mas ganha pontos pela decisão de não apresentar o tal monstro que assombra a todos. Embora muita gente se satisfaça de ver uma mulher de olhos vendados fugindo de um monstro sem maiores detalhes e camadas, Bird Box ainda foi feito sobre medida para uma nova mania da internet: explicações sobre o filme. Existe de fato uma leitura mais simbólica de tudo o que acontece, especialmente em tempos que as redes sociais potencializam a ansiedade, o discurso de ódio e até a depressão, mas ela fica bem diluída na história que não apresenta muitos elementos sobre esta analogia. Em tempos em que boa parte do público se acostumou com tudo mastigadinho, vou logo avisando que David Lynch odeia quando fazem isso com seus filmes cheios de mistério, mas Suzanne Bier não deve se importar. 

Bird Box (EUA-2018) de Suzanne Bier com Sandra Bullock, Trevante Rhodes, John Malkovich, Vivien Lyra Blair, Julian Edwards, Tom Hollander, Danielle MacDonald, Sarah Paulson e Jacki Weaver. ☻☻☻

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

10+ Favoritos do Ano

Passo o ano inteiro fazendo minha lista de favoritos, ao longo de doze meses ela costuma ficar bem maior do que esta que contem somente dez títulos lançados no Brasil desde janeiro. O ano de 2018 nos deu filmes de muito sucesso, alguns ainda no clima das premiações do ano anterior, outros foram lançados mundialmente e tiveram a sorte de chegarem por aqui a tempo de aparecerem entre os meus favoritos do ano que chega ao fim. A lista está em ordem alfabética:











PL►Y: Roma

Yalitza e Marco: passeando pelas memórias do diretor. 

Alfonso Cuarón levou para casa o Oscar de melhor direção (e também o de Melhor Edição) por Gravidade (2013), um filme de ficção científica que contou com a ajuda de Sandra Bullock para se concretizar (e a atriz foi indicada a todos os prêmios de atuação feminina daquele ano). Depois daquela produção ambiciosa, repleta de efeitos especiais e de qualidades irrepreensíveis todo mundo parecia se perguntar qual seria o próximo passo do diretor mexicano. Cuarón foi esperto, deixou a poeira baixar e cinco anos depois lançou Roma, filme que é visualmente bastante diferente do seu longa anterior - me arrisco até a dizer que  é o mais diferente entre todos os outros que ele já fez, sendo o mais introspectivo e singelo, quase uma provocação para os que consideraram Gravidade era um filme de mais forma do que conteúdo. Roma também pode ser visto desta forma, afinal, é um filme com uma trama bastante simples, com pessoas comuns, situações corriqueiras, mas feita com um capricho visual que enche os olhos (o transformando numa verdadeira obra de arte). Ganhador do Leão de Ouro no Festival de Veneza e presente em dez entre dez listas de melhores filmes do ano, Roma se tornou a grande unanimidade do ano. Em entrevistas o próprio Cuarón revela se surpreender com este sucesso, afinal, o ritmo lento e sua história marcada por elementos biográficos, fez com que o filme fosse contra tudo a que o grande público está acostumado. Por outro lado, a Netflix confiou tanto no autor que mudou até as regras de lançamento, quebrando o protocolo e lançando um "original Netflix" primeiramente nas telas com uma grande margem de tempo antes de entrar para o seu catálogo (o Brasil ficou de fora por motivos óbvios), esta medida aparentemente simples já colocou o filme na categoria de filme estrangeiro no Globo de Ouro e garante seu espaço em várias categorias para o Oscar. Ao contrário do que muita gente pensa, o título não se refere à capital italiana, mas ao bairro de classe média da Cidade do México em que Cuarón cresceu, mas o título imponente também surpreende ao girar em torno de pessoas comuns, tendo como protagonista a empregada inspirada na mulher que cuidou de Cuaón desde que ele era um garotinho. Cleo (um trabalho encantador da estreante Yalitza Aparicio) trabalha na casa de Senhora Sofia (Marina de Tavira) e além de cuidar da casa, precisa dar conta de ficar de olho nos quatro filhos da família, sendo mais chegada ao pequeno Pepe (Marco Graff, que tem algumas tiradas muito interessantes sobre "o tempo em que era adulto"). O filme retrata o cotidiano dos personagens sem grandes truques ou surpresa e a câmera deixa claro (em seus movimentos e longos planos) que o espectador invade aquele universo tendo a câmera como guia de seu olhar. A estética deixa visível que se trata do filme mais pessoal do diretor (Cuarón ainda escreveu, editou, segurou a câmera...) de forma que fica fácil perceber que o resultado é um conjunto de suas memórias (e considero um charme extra as alusões que podemos notar a outros filmes do diretor, incluindo Filhos da Esperança/2006 e o próprio Gravidade além das referência ao trabalho de Fellini). O roteiro é um primor de realismo e sabe brincar muito bem com as ironias dos acontecimentos (o constante coco de cachorro na varanda, o avião sempre cruzando o céu, o carro grande demais para a garagem, o pai sempre ausente e o namorado de Cleo que tem umas das cenas de nu frontal mais inusitadas da história do cinema). Misturando drama com um humor sutil, Roma universaliza as emoções de seu diretor e, embora seja bastante diferente da grande maioria dos filmes que estreiam toda semana, é uma produção profundamente emocional. 

Roma (México/EUA-2018) de Alfonso Cuarón com Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Marco Graff, Fernando Grediaga, Jorge Antonio Guerrero, Verónica García, Nancy García García e Diego Cortina Autrey.  ☻☻☻☻

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

PL►Y: Buscando...

Cho: buscando a filha no mundo hi-tech. 

É interessante que no meio de tantas ideias recicladas no cinema americano apareça um filme feito Buscando. Embora outros filmes ambientados no universo da internet já tenham sido realizados, este longa dirigido pelo estreante Aneesh Chaganty é a experiência mais radical do gênero, já que a narrativa é pontuada por informações na tela como se estivéssemos diante de um computador. O resultado foi aclamado pela crítica e fez grande sucesso em festivais. Para além do trabalho de roteiro e edição, o grande destaque é a atuação de Jon Cho, que tem encontrado em produções periféricas à Hollywood personagens interessantes para o exercício de seus dotes dramáticos (tanto que foi lembrado no Independent Spirit deste ano na categoria de melhor ator). O filme gira em torno do desaparecimento de Pamela Kim (Michelle La), a filha de dezesseis anos de David (Jon Cho). A história desta família é apresentada rapidamente na tela, tendo como grande marco o falecimento da matriarca, que marca definitivamente a vida dos dois. Desde o princípio vemos como David se torna cada vez mais atento aos passos da filha e aos poucos percebemos que o comportamento de Pamela também mudou bastante depois da perda. Não demora muito para a trama avançar e David se dar conta de que a filha desapareceu sem deixar vestígios. Começa então uma verdadeira caçada por informações em computadores, redes sociais, sites variados e qualquer outro recurso que o mundo computadorizado possa ajudar em sua busca. O desafio de Buscando é sustentar sua narrativa com o estilo inovador que se propõe, o que o torna quase experimental. Diante de um personagem sempre tenso, Cho carrega o filme até com tranquilidade estando em cena a maior parte do tempo e, embora eu considere que o charme da narrativa se perca lá pela metade, o filme cria um suspense que prende a atenção do espectador pelo resto da sessão. Não vou estragar as surpresas que o filme reserva, mas vou ressaltar três pontos que o filme toca com maestria. A primeira é a ilusão de que a internet e suas redes sociais criam a ilusão de que realmente conhecemos uma pessoa e, o segundo ponto, é imaginar que com todos os mecanismos eletrônicos disponíveis, também é ilusório imaginar que somos capazes de acompanhar os passos de alguém o tempo inteiro. O terceiro ponto é como o filme revela um distanciamento entre as pessoas por conta dos computadores como uma janela para o mundo, o personagem de Cho passa boa parte do filme conversando com pessoas somente por telas de computadores e esta sensação me deixou mais angustiado do que o desaparecimento da mocinha. Talvez eu esteja velho mesmo, bem diferente do paizão protagonista que manja tudo  e tem o clique no mouse como seu maior aliado. 

Buscando... (Searching/EUA-2018) de  Aneesh Chaganty com Jon Cho, Michelle La, Joseph Lee, Debra Messing e Sara Sohn. ☻☻☻

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

§8^) Fac Simile: Aquaman

Aquaman Orin
Faz um tempo que Aquaman não é mais o mesmo. Aquele visual de cabelos loiros curtos, rosto barbeado e tom cavalheiro já ficou para trás nos quadrinhos da década de 1990, ali o herói deixou de ser um personagem que conversava com peixes para ganhar uma jornada bem mais complexa. Em uma premier do filme encontramos o Aquaman original vivendo nos dias de hoje e, embora confundido com um cosplay, ele contou um pouco mais sobre os bastidores desta transição ao nosso repórter imaginário durante esta entrevista que nunca aconteceu: 

§8^) Muita gente acha que Aquaman é um personagem de ficção, mas você afirma ser o verdadeiro Aquaman! Como você explica isso. 

Aquaman Porque eu sou o Aquaman de verdade. Eu contei minha história para os escritores que me tornaram um personagem dos quadrinhos na década de 1940, eles não acreditaram muito, mas recebo royalties até hoje por conta do uso personagem. 

§8^) Caramba, você está muito conservado! Você ficou chateado quando resolveram mudar o visual do personagem nos quadrinhos depois de décadas com ele tendo a sua aparência?

Aquaman Não muito. Entendo que as pessoas queriam deixar o personagem com um visual mais agressivo, mas entendo bem estas questões, desde que eu receba meus direitos autorais eles podem fazer o que quiser! Vale dizer que vi o filme recentemente e achei bem legal o que fizeram, mas eu sou bem mais sério do que aquele Rei dos Dragões que colocaram no meu lugar. 

§8^) Como é sua vida hoje?

Aquaman Vivo sossegado no litoral da Austrália. A vida de super-herói é muito exaustiva e fico aqui na superfície a maior parte do tempo, a água do mar de Atlântida acaba com o meu cabelo! Casei três vezes, tenho doze filhos, oito filhas e um peixe dourado. Nas horas vagas eu surfo e de vez em quando faço alguns shows por aí como encantador de peixes. Também presto consultoria para filmes como Procurando Nemo e para os desenhos  como Bob Esponja, além de participar de manifestações ecológicas. Sou um herói bastante engajado! Ah, vale dizer que nunca montei num Cavalo Marinho, seria uma crueldade com o bichinho!

§8^) Você realmente tem todos aqueles super poderes?

Aquaman Sim, todos eles. Converso com peixes o tempo todo - e você não faz ideia de como eles são fofoqueiros. Demorei um tempo para me adaptar a esta rotina de ser meio da superfície e meio atlante, mas com o tempo fui me acostumando com isso. No fim das contas a maioria dos heróis na vida real passam por isso. O Superman é cheio de problemas alérgicos, o Batman está sempre fazendo terapia e a Mulher-Maravilha ainda tem problemas para lidar com os homens em volta dela, chega a ser um pouco paranóica até... eu tinha uma quedinha por ela, mas aquele laço da verdade é um problema... 

§8^) Quer dizer que os heróis existem de verdade?

Aquaman Claro que existem, obviamente que nos quadrinhos mudaram nossos nomes para termos sossego e privacidade mas nos encontramos constantemente! Também não existe esta rivalidade entre editoras ou universos como as pessoas imaginam! Sou muito grato ao Professor X por me ajudar a lidar com meus poderes e sou vizinho do Gavião Arqueiro desde que ele se aposentou. Só não me dou bem com o Namor, ele não é muito confiável. Já o Leo é grande amigo do meu filho e sempre come pizza lá em casa.  

§8^) Leo? Que Leo? 

Aquaman Das Tartarugas Ninja, oras!

Na Tela: Aquaman

Momoa a caráter: pura diversão para os fãs. 

Não curto esta rivalidade que se instaurou entre os fãs dos filmes da Marvel e da DC Comics, que comparam as produções baseadas nos quadrinhos das duas editoras - e que deixou a Warner um tanto baratinada com os rumos que seus filmes deveriam seguir após o sucesso arrebatador de Vingadores/ 2012 e tudo o que veio depois. A DC/Warner realmente perdeu o rumo, começou a misturar coisas demais e o resultado foram filmes um tanto confusos que mesmo estando longe do desastre, receberam críticas severas que fizeram os produtores repensarem tudo - especialmente após Liga da Justiça /2017 arrecadar menos do que o esperado ao redor do mundo (pois é meus amigos, um filme que arrecada 657,9 milhões de dólares ao redor do mundo é considerado um fracasso nos dias atuais). Depois de uma verdadeira tempestade nos projetos ligados aos heróis da DC (Zack Snyder fora de vez, Ben Affleck dispensado de Batman, Henry Cavill largando a capa do Superman, Mulher Marvilha 2 não sendo uma sequência, o filme do Cyborg praticamente cancelado, filmes paralelos com vilões do Homem-Morcego, um trailer de Shazam que deixa a dúvida se o universo dos personagens é unificado ou não...) era com grande expectativa que se esperava Aquaman pelas mãos de James Wan. Wan fez sucesso com filmes de terror e está para o gênero no século XXI como Wes Craven estava nos anos 1980. O criador de Jogos Mortais (2004) e Invocação do Mal (2013) foi recebido com surpresa ao assumir a produção - e diante das entrevistas cedidas no lançamento do herói aquático , mostrava-se exausto quando tudo acabou. Vendo o filme percebe-se logo os motivos. Com duas horas e vinte e dois minutos de duração, inúmeras cenas de ação e infinitos efeitos especiais, o filme tem a ambição necessária para colocar o universo da DC nos cinemas no gosto do público. O filme cita rapidamente o vínculo do filme com os acontecimentos vistos em Liga da Justiça, mas gira em torno de Arthur Curry (Jason Momoa) descobrir suas origens e se tornar Aquaman de vez. Os fãs mais antigos já devem ter se acostumado com a repaginada que o personagem sofreu nas últimas décadas, deixando de lado o visual arrumadinho para se aproximar mais de um Netuno Hardcore.. Aqui descobrimos como Arthur nasceu do relacionamento de uma rainha (Nicole Kidman) da misteriosa civilização de Atlântida com um faroleiro. Desde pequeno Curry sabia que era diferente, foi treinado para lidar com seus poderes e habilidades, mas nunca se interessou por assumir o trono de Atlântida, no entanto, seu irmão, Orm (Patrick Wilson) percebe que acabar com o bastardo seria um bom começo para impor respeito e dar o troco ao mundo do superfície por séculos de abuso aos reinos dos mares. Este é o ponto de partida do filme, mas ele segue caminhos demais. A apresentação do personagem serve para construção de um verdadeiro mundo próprio, com vários personagens, intrigas e interesses, mas tudo é acelerado, grandiloquente e, por vezes, confuso. Existem cenas muito boas (acho fascinante os momentos mais sombrios do filme, especialmente quando Arthur e Mera (Amber Heard, que não acerta o tom) são atacados por monstros em alto-mar. Há momentos que estão ali para agradar os fãs (como o surgimento do herói com o uniforme original e o aparecimento do Arraia Negra idêntico ao dos quadrinhos) e um desejo explícito de agradar fãs que vão ao cinema apenas para se divertir. Por ser um personagem que nunca teve sua origem contada nas telas e que não é tão popular como Bamtan ou Superman, percebe-se que Wan teve maior liberdade para criar e caprichou. O problema maior fica por conta do roteiro e das atuações. Em alguns momentos o texto perde o ritmo e patina nos vários pontos que aborda. Jason Momoa por vezes perde o ar sisudo e se rende a um tom besteirol que não combina com sua abordagem do personagem, mas ninguém deve reclamar muito. Sorte que Nicole Kidman, Willem Dafoe e Patrick Wilson estão ali para ajustar qualquer escorregada. Aquaman já é um sucesso ao redor do mundo (já arrecadou meio bilhão nos cinemas e deve render mais uns trezentos até sair de cartaz), além de ganhar uma uma sequência. Resta aos fãs torcer para que a Warner se anime novamente e promova novos encontros de nossos heróis favoritos. 

Aquaman (EUA/2018) de James Wan com Jason Momoa, Amber Heard, Willem Dafoe, Patrick Wilson, Yahia Abdul-Mateen II, Dolph Lundgren e Randall Park. ☻☻☻