domingo, 28 de março de 2021

FILMED+: Jamais Nevará Novamente

 
Alec: poderes especiais.

Nas primeiras cenas do filme, Zhenia (Alec Utgoff) caminha próximo de luzes que piscam enquanto ele caminha. O que poderia ser apenas um detalhe revela bem mais sobre o personagem do que imaginamos, mas só percebemos isso depois, em uma entrevista em que ele revela ter nascido na Ucrânia, em uma cidade perto de Chernobyl. Ele tinha apenas sete anos quando o trágico acidente nuclear ocorreu. Logo aparece o comentário de que ele pode ser radioativo. E pode mesmo. Trabalhando como massagista, todos os seus clientes relatam a experiência maravilhosa que é deixar-se levar pelas sensações que Zhenia é capaz de proporcionar, não apenas pelas massagens, mas também pelas conversas, sessões de hipnose e outras habilidades que o misterioso rapaz revela ao chegar em um condomínio de luxo em Varsóvia. Se por um lado o filme se desenvolve através das interações do protagonista com aqueles moradores e seus problemas, por outro lado a diretora Malgorzata Szumowska alimenta gradativamente a curiosidade do espectador em torno de seu personagem. Flertando com os filmes de super-heróis, ela constrói um filme de origem com cadência tão vagarosa quanto envolvente, que tem a sorte de contar com Alec Utgoff no alto dos créditos. Nascido na Ucrânia e naturalizado britânico, Alec faz um trabalho bastante excepcional num papel complicado que oscila entre a comédia refinada e o drama introspectivo, mas sem perder as camadas sedutoras que seu personagem é capaz de emanar. Assim, o ator e a diretora constroem uma verdadeira aura magnética em torno do massagista - e a torna tão palpável para os personagens do filme quanto para a plateia. Pode se dizer que Utgoff já ensaiou isso antes quando interpretou o adorável russo Alexei na terceira temporada de Stranger Things) e bem que o ator merecia aparecer mais vezes no cinema. O roteiro investe muito na fantasia para instigar o espectador a respeito da origem de Zhenia e seus poderes, seja com diálogos melancólicos ou cenas de flashback, mas sem perder de vista um tom de mistério. Existem também aquelas cenas estilizadas muito bem trabalhadas na espécie de transe em que os personagens mergulham perante os poderes do rapaz. Sem perder de vista o ponto de partida de um forasteiro que muda a vida de todos somada à metáforas políticas e sociais (inclusive sobre imigração na Europa), Jamais Nevará Novamente termina mantendo o mistério acerca de Zhenia e rende um dos desfechos mais poéticos do cinema recente. Quem curte filmes do Leste Europeu perceberá que a diretora segue um caminho completamente oposto da abordagem do húngaro Kornél Mundruczó em Lua de Júpiter/2017 (que também apresentava um imigrante com poderes especiais e suas consequências) além de fazer uma citação ao cultuado Stalker/1979 de Tarkovski. No entanto, mesmo com tantos predicados, o filme perdeu o Leão de Ouro do Festival de Veneza (para Nomadland) e também ficou de fora ao Oscar de Filme Estrangeiro em que representava a Polônia, mas ainda assim é um dos filmes mais inventivos que assisti recentemente.  

Jamais Nevará Novamente (Sniegu juz nigde bie bedgie / Polônia - Alemanha / 2020) de Malgorzata Szumowska com Alec Utgoff, Maja Ostaszewska, Agata Kulesza, Katarzyna Figura, Lukasz Simlat e Andrzej Chyra e Weronika Rosati. ☻☻☻☻

sábado, 27 de março de 2021

PL►Y: O Refúgio

Jude e Carrie: mansão assombrada pelas aparências. 

Não são poucos os que clamavam uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz para Carrie Coon por sua interpretação em The Nest (que preferiram traduzir por mais um O Refúgio do que batizar com o literal O Ninho por aqui). Carrie tinha uma carreira premiada no teatro até começar a receber papeis de destaque sem séries de televisão e convites para o cinema. Embora sempre tenha habilidade de tornar interessantes papéis de coadjuvante (sua estreia no cinema foi como a irmã de Ben Affleck em Garota Exemplar/2014), agora ela tem sua primeira grande protagonista. Ela vive Alisson O'Hara, uma professora de equitação que tem ao lado do esposo Rory (Jude Law) e filhos uma vida confortável em Nova York, mas por conta dos negócios do esposo, a família precisa se mudar para o Reino Unido. Aparentemente Rory se sente em casa, já que volta para sua terra natal enquanto os outros membros da família passam por um período de estanhamento que parece comum à mudança para um casarão um tanto, sombrio. De início o espectador vai achar o filme bastante sem graça por conta da forma como o diretor  Sean Durkin (do anterior Martha Marcy May Marlene/2011) resolve revelar aos poucos a realidade por trás daquela situação. Para começar a  mudança na fotografia (assinada pelo húngaro Mátyás Erdély) ajuda bastante a criar a atmosfera necessária para o filme brincar com as simbologias de casas mal assombrada com o horror da inadequação e o distanciamento que recai sobre aquela família. Cada um começa a se sentir cada vez mais solitário naquele casarão imponente, que cai como uma luva para esconder um verdadeiro jogo de aparências que Rory experimenta. Embora comece o filme bastante simpático, o maridão precisa provar o tempo inteiro que se tornou um sucesso, seja para a mãe, os patrões, os futuros sócios... mas não consegue convencer a esposa que está cada vez mais sufocada com a nova realidade. Durkin não tem pressa de apertar os nervos de seus personagens e faz uma espécie de terror psicológico que cresce em tensão e incomoda em sua segunda metade. Se Jude Law não inova em seu personagem, Carrie Coon carrega a responsabilidade de estabelecer o vínculo com a plateia e mantê-la ao seu lado durante toda a sessão (vale lembrar que os dois foram indicados ao Gotham Awards por seus trabalhos). A atriz tem um trabalho perfeito de construção interna de uma personagem, seus gestos, olhares e posturas compõem uma personagem soterrada por aquela realidade enganosa criada pelo esposo. Se existe um problema no filme é o seu desfecho - que é onde a plateia imagina que seria de pura explosão. Mas será que os O'Hara continuarão presos naquela casa (que está bem longe de ser seu ninho)?

O Refúgio (The Nest / Reino Unido - Canadá / 2020) de Sean Durkin com Carrie Coon, Jude Law, Oona Roche, Charlie Shotwell, Tanya Allen e Michael Culkin. ☻☻☻

PL►Y: DRUK - Mais uma Rodada

Madds e seus alunos: pesquisa do bafômetro. 

Quatro professores seguem suas vidas normalmente na maturidade. Já alcançaram estabilidade profissional, a situação familiar que desejavam vai bem e suas rotinas funcionam dentro de um confortável relógio de segurança, comodidade e previsibilidade. Se para três deles tudo parece absolutamente satisfatório, com Martin (Mads Mikkelsen) a situação é um pouco mais complicada. O casamento dele chegou naquele ponto morno em que todos os dias são iguais, a esposa e os filhos convivem com ele na mesma casa, mas ele não é muito diferente daquela poltrona confortável que gostamos de ver na sala. No trabalho também os alunos reclamam de suas aulas serem desinteressantes e, por conta disso, o melancólico Martin corre até o risco de perder o emprego. Nem mesmo Martin sabe em que ponto a vida se tornou daquele jeito, menos pela rotina que segue e mais pela sensação de que perdeu a graça faz um tempo. Eis que um belo dia, seus três amigos comentam sobre a teoria de um psiquiatra norueguês de que o homem precisa de 0,05% de álcool no sangue ao dia para viver melhor, ou seja, com mais humor, leveza e menos tensão. Assim, junto aos amigos Tommy (Thomas Bo Larsen), Nikolaj (Magnus Millang) e Peter (Lars Ranthe), Martin irá fazer uma "pesquisa" se a teoria realmente funciona. Para dar conta disso, tomarão sua dose de álcool de manhã antes de ir para o trabalho e ver o que acontece. Não vale dizer os detalhes desta vida de cobaia vivida pelo quarteto, mas cabe dizer que conforme percebem que o álcool os ajuda a enfrenta melhor seu cotidiano, eles imaginam que aumentando a dose a coisa pode melhorar mais ainda. Ledo engano.O filme de Thomas Vinterberg concorre ao Oscar de Filme Estrangeiro e fez com que o cineasta, co-fundador do movimento Dogma95 (cujo seu bombástico Festa de Família/1998 é o primogênito) se torne o primeiro diretor dinamarquês indicado ao Oscar de Melhor Direção. Talvez o fato de Thomas não fazer julgamentos morais sobre seus personagens crie um desconforto na plateia, afinal existem apenas um comentário de um personagem aqui e outro ali sobre a situação em que os personagens se meteram, existem também algumas situações pesadas e outras que poucos diretores ousariam escrever e mostrar. Embora os desavisados possam enxergar aqui uma apologia ao alcoolismo, o que interessa ao filme são outras questões: por que aqueles personagens precisam do álcool para se sentir bem e, mais ainda, por que a vida pode perder a graça quando se atinge a maturidade? Por que as obrigações acabam se tornando mais importantes do que aquilo que nos dá prazer? Druk não traz respostas, mas subverte as emoções da plateia, fazendo muitas vezes alegria e tristeza emanar de uma mesma cena, especialmente quando Martin está em cena. Por conta disso, vale dizer que Mads Mikkelsen é um verdadeiro colosso! Lembrado no BAFTA de melhor ator, houve uma grande campanha para que o dinamarquês fosse indicado ao Oscar pela primeira vez. Mads já trabalhou com o diretor em outro filme, o ótimo A Caça (2012)  que também concorreu ao Oscar de filme estrangeiro (e rendeu a Mikkelsen o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes). Mads faz seu personagem ser a alma do filme, da melancolia absoluta, passando por uma renovação surpreendente pouco antes dele cair num abismo que lhe parece tão irresistível. Sem dúvida ele é um dos melhores atores da atualidade (basta lembrar que ele teve coragem de reimaginar um ícone feito Hannibal Lecter em uma série de televisão e não fazer feio. Falando nisso, a retomada de Hannibal sai ou não sai?). Druk fala mais do que sobre bebida, é principalmente sobre as relações, seja no casamento, no trabalho, com os amigos, com a vida em si  e principalmente com você mesmo. 

Druk - Mais uma Rodada (Druk / Dinamarca - 2020) de Thomas Vinterberg com Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Magnus Millang, Lars Ranthe, Maria Bonnevie,  Helene Reingaard Neumann e Susse Wold. ☻☻☻

sexta-feira, 26 de março de 2021

INDICADOS AO OSCAR 2021: Atriz Coadjuvante

Amanda Seyfried (MANK) Faz um tempinho que a atriz de 35 anos se tornou conhecida em Hollywood e olhando seu currículo podemos ver os filmes em que tinha esperança de ser lembrada pela Academia - só lembrar de seus trabalhos em Lovelace (2013), Les Miserables (2012), Fé Corrompida (2018) - mas sua primeira indicação ao Oscar veio ao encarnar Marion Davis, a ex-atriz do cinema mudo que encontra dificuldades para se impor nos filmes falados - além de ser namorada do magnata William Randolph Hearst. Amanda está luminosa no papel e consegue ser o principal ponto de humanidade no filme em que o todo o perfeccionismo técnico de David Fincher quase engessa o resultado. Vale lembrar que Amanda foi minha coadjuvante favorita do ano passado. 

Glenn Close (Era Uma Vez um Sonho) Ela já foi indicada outras sete vezes ao Oscar e perdeu até quando era a favorita - concorreu quatro vezes como atriz principal (Atração Fatal/1986, Ligações Perigosas/1988, Albert Nobbs/2010 e A Esposa/2018) e outras três vezes como coadjuvante (com sua estreia em O Mundo Segundo Garp/1981, O Reencontro/1982 e Um Homem Fora de Série/1984). Será que desta vez a diva leva sua estatueta para a casa? Se for reconhecida pelo papel da avó destemida neste filme muito criticado pelo exagero, a atriz fará história ao se tornar a única atriz a ganhar um Oscar por um papel que também rendeu uma indicação ao Framboesa de Ouro. Maldade...

Maria Bakalova (Borat: Fita de Cinema Seguinte) Será que o Oscar irá premiar uma atriz Búlgara? Nascida em 1986, a atriz estudou arte dramática na Escola Nacional de Artes de Burgas e começou sua carreira na televisão de sua terra natal. Depois de fazer curtas metragens e alguns filmes pouco conhecidos, ela foi escolhida para dar vida à filha do personagem de Sacha Baron Cohen na continuação do antológico filme de 2006. Responsável por algumas das cenas mais inacreditáveis desta comédia de absurdos calcada na realidade, Maria já foi indicada ao Globo de Ouro, ao BAFTA e ao SAG pelo papel e se tornou uma das grandes revelações da temporada. Ela pode até não ganhar, mas a torcida é grande! Esta é sua primeira indicação ao Oscar.

Olivia Colman (Meu Pai) Será que a ganhadora do Oscar de melhor atriz por A Favorita/2019 derrota Glenn Close de novo? Se da noite para o dia a inglesa se tornou uma das atrizes mais interessantes de Hollywood, ela prova que não foi afetada pela maldição do Oscar ao ser indicada novamente na categoria de atriz coadjuvante. Esta é a segunda indicação da atriz que vive a filha de um senhor que está com a memória cada vez mais comprometida. Entre cuidar dele e seguir a vida, Olivia está novamente bem em cena. Cinéfilos mais antenados já conhecem o talento da atriz que começou na comédia e desde o longa Tiranossauro (2011) provou ter dotes dramáticos invejáveis (que também podem ser vistos nas terceira e quarta temporadas da série The Crown). 

Yuh-Jung Youn (Minari) a atriz coreana veterana, presente no cinema desde os anos 1970, já possui mais de cinquenta prêmios por sua carreira, mas faltava uma indicação ao Oscar para coroar sua suas décadas de trabalho. Aos setenta e três anos (sendo quase cinquenta atuando em filmes), Youn interpreta a adorável vovó que desconstrói um pouco a seriedade e a preocupação da família de imigrantes do filme. Seu trabalho leve e sensível rende os momentos mais ternos de um longa bastante emocional e singelo. O filme concorre em outras cinco categorias, mas de todas elas, esta é a que o filme tem mais chances de levar.

A ESQUECIDA: Jodie Foster (O Mauritano) Cogitava-se uma indicação para a veterana Ellen Burstyn (Pieces of a Woman) ou para Saoirse Ronan (Amonite), mas conforme as premiações foram chegando era o nome de Jodie Foster que se fortalecia. Pelo papel da obstinada advogada (neste filme com trama bem parecida com outros já assistidos recentemente), ela demonstra mais uma vez porque é tão respeitada. Ter Jodie nos créditos eleva a qualidade e o interesse por qualquer filme e pelo papel a atriz foi indicada (e ganhou) o Globo de Ouro de atriz coadjuvante, mas o Oscar não ligou muito para a grande estrela premiada duas vezes pela academia. Jodie foi premiada como melhor atriz pelo ainda atual Acusados/1988 e o clássico O Silêncio dos Inocentes/1991.A aé a categoria mais imprevisível da temporada. 

quinta-feira, 25 de março de 2021

PL►Y: Minari

 
Yeun, Kim, Cho e Yeri: uma família para se importar. 

Desde que começou a ser exibido nos Estados Unidos, Minari se tornou querido pela crítica - que começou a clamar por reconhecimento do longa nas premiações. Os meses passaram e o filme, que tem boa parte dos seus diálogos em coreano já foi escolhido o melhor filme em língua estrangeira no Globo de Ouro e no Critic's Choice Awards. Pelas regras do Oscar o filme se tornava elegível em outras categorias e chegou impondo respeito com seis indicações: Filme, direção, ator (Steven Yeun), atriz coadjuvante (Youn Yuh-jung), roteiro original e trilha sonora. A história é bastante simples: uma família de origem coreana se muda para o interior do Arkansas nos anos 1980 com a intenção de construírem uma fazenda. O patriarca (Yeun) acredita em seus sonhos e mesmo perante as dificuldades começa sua plantação com a intenção de vender sua produção para comerciantes das redondezas. A esposa (Yeri Han) está visivelmente insatisfeita com aquele novo estilo de vida longe da cidade. Ela trabalha com o esposo em uma avicultura e está preocupada sobre a situação dos filhos, especialmente do caçula (o fofo Alan Kim) que possui uma cardiopatia. Na busca de maior cuidado com os pequenos, ela traz sua mãe da Coreia para viver com eles. É a adorável vovó (vivida pela veterana  Yuh-jung) que traz um pouco mais de alegria para casa, embora o relacionamento com o netinho sempre seja pautada pela desconfiança por parte dele. O filme se desenvolve sem pressa ou firulas, de forma simples e bastante singela, envolvendo o espectador que começa a se preocupar cada vez mais com aqueles personagens frente aos perigos que de vez em quando aparecem na narrativa. É uma história sobre o sonho americano conduzida com bastante sensibilidade pelo diretor Lee Isaac Chung que conta sua história amparado pelos detalhes que se somam até a conclusão. Vale destacar que Chung conta com a colaboração de um ótimo elenco que trabalha em plena sintonia (e faz história com Steven Yeun sendo o primeiro ator de origem oriental a ser indicado ao Oscar de melhor ator). Confesso que perto do final é bom preparar um lenço, já que o diretor conta uma história que já pensamos ter visto várias vezes e ainda consegue nos emocionar com o que pode acontecer nela. Minari pode até não ser o favorito em nenhuma categoria em que está indicado, mas escreve, de forma bastante despretensiosa sua importância na temporada de prêmios.

Minari (EUA-2020) de Lee Isaac Chung com Steven Yeun, Alan Kim, Yeri Han, Youn Yuh-jung, Noel Cho, Will Patton e Ben Hall. ☻☻☻

domingo, 21 de março de 2021

PL►Y: Liga da Justiça de Zack Snyder

 
A Liga de Zach Snyder: longo e (obrigatoriamente) mais coerente. 

Percebo uma certa obrigatoriedade de escrever sobre a nova versão de Liga da Justiça, o famoso #SnyderCut que ganhou corpo e força ancorado no movimento dos fãs. Eu vou evitar relatar toda a confusão que foi na época do lançamento da versão de 2017 (eu já fiz isso na ocasião e você pode ler clicando aqui). No entanto quando escrevi aquele texto, Liga da Justiça ainda não havia decepcionado nas bilheterias e envelhecido mal à uma segunda olhada. Era conhecido o fato de que a Warner mandou cortar muita coisa do filme quando Joss Whedon assumiu a direção e o imaginário dos fãs fermentou com tudo que o filme poderia ter sido e não foi. Passado o tempo, o próprio Zack Snyder (recuperado do suicídio da filha) afirmou que não havia outra versão do filme para apresentar. Algum tempo depois foi convidado a retomar o projeto com as cenas que ficaram de fora, alguns ajustes e cenas que foram gravadas posteriormente. Com os cinemas fechados, o filme foi disponibilizado on demand no dia 18 de fevereiro onde ficará até o dia 07 de abril ao preço de R$ 49,90 para depois se tornar exclusivo da plataforma HBO MAX (que exibiu o filme rapidamente por "acidente"... o que só aumentou a expectativa dos outros fãs). Até ontem Zack deixava claro que não faria uma sequência, mas diante do sucesso estrondoso (o filme já é o mais comprado em várias plataformas ao redor do mundo) já começaram os boatos de que mais dois filmes devem ser lançados. Somando pandemia e o jejum de longas de heróis, Snyder Cut é um verdadeiro deleite para o público fã de quadrinhos, fermentado para ter o dobro de tempo ele tem mais ação, melhores efeitos especiais, mais barulho, mais tempo de tela para Flash (Ezra Miller) e Cyborg (Ray Fisher), participação do Caçador de Marte, Darkseid, Vovó Bondade... enfim, é o filme de 2017 em versão anabolizada com quatro horas de duração. A história é a mesma: o Lobo da Estepe planeja encontrar as lendárias caixas maternas e dominar (ou seria destruir?) o planeta Terra. Enquanto isso, Bruce Wayne/Batman (Ben Affleck) começa a procurar seres poderosos que possam lhe ajudar nos perigos que estão por vir após a morte de Superman (Henry Cavill). Não vou detalhar aqui o uniforme preto do Homem de Aço, a mudança na paleta de cores, o formato quadradinho 3:4, as piadinhas e cenas que ficaram de fora, mas vale destacar que não existe nem sinal daquela deformidade que fizeram no rosto do Henry Cavill por conta de um bigode. Com o dobro de duração, existe tempo para desenvolver melhor vários pontos que estavam soltos no longa anterior, além de dar sentido maior às cenas de ação (afinal, quem não pensou que o Lobo da Estepe conseguia as caixas com muita facilidade?). Confesso que a primeira hora de filme foi bastante cansativa, mas conforme o tempo passa ele se torna mais envolvente até chegar a um desfecho melhor resolvido que o anterior. Obviamente que Snyder está em estado de graça com sua versão chegando até o espectador e mais ainda com a receptividade das promessas de seu epílogo, não apenas daquela cena já conhecida com Lex Luthor (Jesse Eisenberg) e Exterminador (Joe Manganiello), mas principalmente com aquela parte pós-apocalíptica que deixa aquele sabor do que poderia vir por aí se a Warner não ficasse cheia de melindres e optasse por filmes engraçadinhos com os heróis que tem em mãos. SnyderCut faz mais sentido que o anterior e faz mais mais do que isso, rende a esperança de que o universo da DC nos cinemas encontre seu caminho. No entanto, se penso seriamente que se este filme houvesse chegado aos cinemas em 2017 (com todo o embalo da Marvel nos cinemas ao virar uma referência de como fazer filme de super-herói para o grande público), ele seria bastante criticado pela tom sombrio e sua duração excessiva (e a Warner faria tudo igual no seu universo DC que vemos desde então). No final da minha postagem de 2017 eu dizia que Liga da Justiça 2 seria melhor... se a repaginada de Snyder já é boa, as novidades que ele tem na cabeça me soam melhores ainda. Agora é só esperar (assim como a sessão no cinema pós-pandemia com gritos e aplausos quando o filme começar e terminar na telona). 

Liga da Justiça de Zack Snyder (Zack Snyder's Justice League / EUA -2021) de Zack Snyder com Ben Affleck, Gal Gadot, Henry Cavill, Ezra Miller, Ray Fisher, Jason Momoa, Amber Heard, Willem Dafoe e Diane Lane. ☻☻☻

PL►Y: Festa de Família

 
Christian ao centro: a verdade silenciada dói mais ainda. 

Na lista de grandes surpresas do Oscar deste ano está a indicação do dinamarquês Thomas Vinterberg por seu último filme, Mais Uma Rodada (que concorre ao prêmio de filme estrangeiro). O cineasta se tornou famoso mundialmente em 1998 quando não apenas foi um dos idealizadores do movimento cinematográfico Dogma95 como foi o responsável pelo primeiro filme do movimento, o tão controverso quanto elogiado Festa de Família. Thomas tinha vinte e nove anos quando lançou o filme - apenas dois anos antes tinha marcado sua estreia em longa-metragem com o pouco falado Grandes Heróis. Quando Festa de Família estreou em Cannes as pessoas estavam bastante curiosas para saber como era um filme que seguisse os dez mandamentos do manifesto: "1 - A filmagem deve ser realizada no local, sem fornecer adereços ou cenários que não existam no próprio cenário; 2 - Som diegético apenas. Sons nunca devem ser produzidos, como música que não existam na cena; 3 - Todos as tomadas devem ser feitas na mão. Movimento, imobilidade e estabilidade devem ser alcançados manualmente; 4 - O filme deve ser colorido, sem iluminação especial. Se não houver exposição suficiente, uma única lâmpada pode ser acoplada à câmera; 5 - Não pode haver trabalho ótico ou filtros de lente; 6 - Nenhuma ação "superficial" (como assassinatos encenados, acrobacias elaboradas etc.); 7 - A alienação geográfica é estritamente proibida, o que significa que o filme deve acontecer aqui e agora; 8 - Sem filmes de gênero; 9 - 35mm é o único formato de filme aceito e 10 - Os diretores não devem ser creditados." Os mandamentos serviram de referência para obras de diretores do porte de Lars Von Trier, Harmony Korine, Lone Scherfig, Susanne Bier entre muitos outros ao redor do mundo e alcançou resultados variados (alguns bem sonolentos), mas nenhum deles foi tão acolhido como Festen. Para além da estética (que é quase um voto de pobreza) contra a artificialidade que o cinema havia tomado nas últimas décadas, o grande mérito do filme está no vigor com que Vinterberg conta a história de uma festa que começa como tantas outras e logo traz revelações assustadoras sobre o festejado. No aniversário de sessenta anos de Helge (Henning Moritzen) toda os seus parentes estão reunidos, incluindo seus pais e herdeiros, Michael (Thomas Bo Larsen), Helene (Paprika Steen) e Christian (Ulrich Thomsen) cuja irmã gêmea suicidou-se a pouco tempo. O que era para ser apenas um encontro com muita comida e bebida muda de tom quando o discreto Christian conta para mesa repleta de convidados que ele e sua irmã gêmea foram abusados sexualmente pelo pai várias vezes na infância. De início ninguém acredita muito no que ele diz. Desacreditado por todos, ele insiste na história duas, três vezes à mesa e as consequências são inevitáveis, provocando enfrentamentos com os familiares. Perante algumas outras informações que aparecem no filme, como o racismo explícito contra o namorado de Helene (com direito à uma música inconcebível cantada por quase todos) e o comportamento agressivo de Michael com esposa, irmãos, filhos... não fica difícil perceber existe algo escondido por trás da casca de bem estar e boa vida da família Klingenfeld. O filme prima pelo tom cru, desconfortável e urgente. Se a estética provocava curiosidade e estranhamento (estética que também foi absorvida por várias produções não "dogmáticas" que procuram dar uma atmosfera realista e quase documental à narrativa), ela não seguraria o filme somente com suas cores realistas e câmera na mão trêmula, Vinterberg sabe desde o início que o longa funciona pela sua essência: um drama familiar devastador. No entanto, troca o melodrama por um tom áspero que arranha os olhos, ouvidos e garganta. Por sua eficiência, o  filme ganhou o prêmio do júri no Festival de Cannes, o Independent Spirit de Filme Estrangeiro e foi indicado ao Globo de Ouro. No Oscar o filme passou longe com seu estilo anti-Hollywood, mas Vinterberg filmou nos Estados Unidos seus dois filmes seguintes e se arrependeu. Caindo nas graças da crítica e do público novamente com o premiado A Caça/2012 (que concorreu ao Oscar de filme estrangeiro),  Vinterberg prova que com dogma ou sem dogma ele sabe das coisas.   

Festa de Família (Festen / Dinamarca - 1998) de Thomas Vinterberg com Ulrich Thomsen, Thomas Bo Larsen, Paprika Steen, Henning Moritzen e Trine Dyrholm. ☻☻☻☻

#FDS Ana Carolina: Gregório de Mattos

 
Marília e Waly: recital cinematográfico. 

Fechando este Final de Semana com a cineasta Ana Carolina está aquele que poderia ser considerado seu filme mais simples e também o mais difícil. Depois de fechar a trilogia feminina (Mar de Rosas, Das Tripas Coração e Sonho de Valsa), a diretora ficou treze anos sem lançar filme algum até retornar com o ótimo Amélia (2000). Para delírio dos fãs, dois anos depois ela lançou Gregório de Mattos, média metragem dedicado ao poeta. O filme se constrói de forma bastante particular a partir do nascimento do artista sob a narrativa de uma freira vivida por Marília Gabriela, pouco depois é a vez de Waly Salomão já aparecer recitando a obra do artista. Nascido na Bahia em 1636, os textos de Gregório sempre incomodaram os poderosos da época por conta de seu jogo de palavras, humor jocoso e crítica social, o que o levou a ser apelidado de O Boca do Inferno. Filmado com locações em Niterói no estado do Rio de Janeiro, utilizando fotografia sépia, direção de arte que remete diretamente ao barroco e quase todo falado em português seiscentista o filme pode se tornar um programa árido para boa parte do público por não ser propriamente um documentário sobre a vida de Gregório ou uma dramatização sobre a sua vida. Fã da obra do escritor, Ana deixa a poesia do escritor falar por si só, dando a perceber sua afinidade com as provocações do autor. A opção por utilizar freiras como coadjuvantes para o protagonista também faz pleno sentido não apenas pelo contexto histórico da época, mas também como uma marca de uma cineasta que sempre lançou um olhar crítico sobre arquétipos conservadores (o filme também conta com atores interpretando escravos, mas de forma descontextualizada). Seria um equívoco dizer que Waly Salomão interpreta Gregório, já que ele é um poeta recitando a obra de outro poeta. Ainda que utilize muito as mãos e as entonações para enfatizar a obra, o que temos aqui está longe de ser um personagem. A profusão de poesias apresentadas pelos atores deve agradar os fãs do homenageado, mas o grande público terá a impressão de estar presente num recital dramatizado. Melhor rendimento tem Marília Gabriela que na época estava empenhada para ter uma carreira de atriz, deixando um pouco a imagem de jornalista de lado e trabalhando em novelas, peças de teatro e filmes. Ela compõe uma personagem bastante carismática, ainda que tenha certo didatismo, ela faz a presença de sua freira ser muito bem vinda com expressões que emprestam certo humor para a produção. Apesar de todos os riscos que assume, Gregório de Mattos é o filme mais simples da cineasta e ao mesmo tempo um tanto árduo de assistir. Se você entrar no clima, verá suas qualidades, caso contrário, a duração curta (70 minutos) poderá parecer uma eternidade.  

Gregório de Mattos (Brasil/2002) de Ana Carolina com Waly Salomão, Marília Gabriela, Elisa Lucinda, Ruth Escobar e Xuxa Lopes. ☻☻ 

sábado, 20 de março de 2021

#FDS Ana Carolina: Das Tripas Coração

 
As mulheres e Fagundes: o caos criativo de Ana Carolina. 

Se algumas pessoas ficaram incomodadas com a estreia de Ana Carolina em Mar de Rosas (1977), acredito que Das Tripas Coração, incomodou muito mais. Ambientado numa escola só para mulheres, Ana permanece em seu interesse pelo feminino e as relações de poder, não sendo por acaso que o longa começa com um homem (Antonio Fagundes) chegando à tal escola anunciando o seu fechamento. A escola não é apenas um internato voltado para meninas, como também é dirigida por mulheres. Esta relação de poder ainda é ilustrada pelo vínculo religioso que a instituição possui, com seu crucifixo pendurado na parede, a missa durante a tarde e uma sala de punições (embora a figura de um padre vivido por Ney Latorraca já indica que não pode ser levada a sério). Porém, o filme subverte todos os elementos que possui, quebrando regras e padrões de conduta, criando uma narrativa que começa séria, torna-se bem humorada e torna-se cada vez mais ácida no que se espera de uma escola para moças. No centro da trama estão Renata (Dina Sfat) e Miriam (Xuxa Lopes, que depois faria a obra-prima Sonho de Valsa com a diretora), as principais responsáveis por administrar a escola. Existe uma certa tensão entre as duas por conta de um professor (Fagundes), que fala declamando enquanto flerta com ambas, e rende reflexões sobre o desejo do trio. No entanto, existem muitas outras mulheres diante da câmera, as duas professoras veteranas, Nair (Nair Bello) e Muniza (Miriam Muniz), a equipe de limpeza (que conta com Cristina Pereira e Stela Freitas) e um bando de alunas barulhentas que estão bem longe de obedecer as normas de boa conduta da instituição (a mais conhecida é a Maria Padilha). O texto brinca um pouco com os conflitos geracionais destes grupos e existem várias provocações, conversas sobre sexo e musiquinhas com obscenidades além de posturas bastante lascivas dos homens presentes naquela escola (o médico, o zelador, o Othon Bastos e por aí vai...) criando uma narrativa que se distancia cada vez mais da realidade rumo à uma atmosfera onírica que se intensifica perto do final. Esta ideia de que tudo não passa de um sonho ou fantasia é o que faz com que o filme se liberte das convenções e enverede pelo tom caótico em vários momentos. Ana aproveita para fazer o que bem entende com o cenário que tem em mãos, da imagem de Cristo que fala com os personagens, das reflexões de Miriam (pérolas como "a vingança tem gosto de presunto cru", algo muito semelhante no que vemos na parceria seguinte entre Xuxa e Ana), da libido incontrolável da adolescência, do incêndio com as duas senhoras explicando que a vida tem de tudo, alguns personagens que flertam com a homossexualidade, bissexualidade e até a transexualidade, sem esquecer da rivalidade entre as duas administradoras, da professora inerte vivida por Cristiane Torloni ou a classe de Célia Helena ser preterida pela permissividade. Ana esgarça ainda mais o tom de absurdo com muita subversão, evocando a ideia do último dia de aula na escola quase cono o anúncio do apocalipse.  Seja nos diálogos ou nas ações, o filme compõe uma verdadeira ousadia que parece até perder as estribeiras em vários momentos. Se no primeiro filme a protagonista não sabia muito para onde ir, agora, Ana Carolina coloca suas mulheres indo para qualquer lugar. Vale lembrar que o filme foi lançado num período complicado do cinema brasileiro e, de certa forma, o fechamento da escola e a crise qie motiva isso, fizeram muitos analisarem que se tratava de uma simbologia com o cinema nacional pós-pornochanchada. Ver o filme por esta ótica lhe empresta ainda novas camadas e leituras quase trinta anos depois de seu lançamento. 

Das Tripas Coração (Brasil/1982) de Ana Carolina com Dina Sfat, Antonio Fagundes, Xuxa Lopes, Nair Bello, Myrian Muniz, Cristina Pereira, Maria Padilha, Ney Latorraca, Stella Freitas, Célia Helena, Eduardo Tornaghi, Cristiane Torloni e Patricio Bisso. ☻☻  

sexta-feira, 19 de março de 2021

#FDS Ana Carolina: Mar de Rosas

 
Norma, Cristina e Hugo: casamento por um fio. 

Ana Carolina Teixeira Soares, ou simplesmente, Ana Carolina está entre os maiores nomes do cinema brasileiro. Infelizmente ela filma pouco e ao longo de quarenta e oito anos como cineasta, lançou apenas oito filmes. A primeira vez em que tive contato com sua obra foi com Sonho de Valsa (1987), filme que por acaso encerra sua trilogia feminina iniciada com este Mar de Rosas (1977). Exibido no Festival de Cinema de Paris e no Festival de Berlim, o filme foi bastante elogiado e ao chegar nos cinemas brasileiros se tornou um verdadeiro acontecimento com seu discurso de independência emocional da mulher. Além disso, Ana realiza uma obra que rompe com vários parâmetros da época ainda muito marcada pelo cinema novo. Em vários momentos Mar de Rosas é pura provocação, a começar pela ironia do título, afinal não existe nada de muito tranquilo ou agradável na vida da personagem de Norma Bengell, a Dona Felicidade (outra ironia). Ela está há horas dentro de um carro viajando com o marido (Hugo Carvana) e a filha (Cristina Pereira estreando no cinema) e desde o início vemos que aquele família vai de mal a pior. Vemos que o diálogo inexiste e não demora muito para que as discussões comecem. A viagem que é anunciada como uma tentativa de salvar o casamento, logo se mostra uma verdadeira provação para aquela família e não demora muito para que gritos e agressões físicas explodam, culminando no momento em que Felicidade acredita ter matado o esposo e foge com a filha. O relacionamento entre as duas também não é dos melhores, já que a filha começa a realizar uma série de tentativas de ferir a mãe (com direito até a um caminhão que quase soterra a mãe dentro de um consultório médico) e a presença de um misterioso novo homem por perto (Otávio Augusto) apenas faz com que a tensão de um casal maduro volte a cena. Existe muita histeria, desentendimentos e uma certa bagunçada lavagem de roupa suja durante o filme que flerta constantemente com o absurdo. Ana Carolina apresenta aqui seu fluxo de ideias bastante particular, que volta-se para as figuras de autoridade (o esposo, o policial, o médico...), diálogos com frases feitas e mulheres insatisfeitas que não se conformam com o lugar que ocupam nesta estrutura. A forma como a protagonista revela com certo pesar o seu nome, diz muito sobre a mistura de drama e comédia que o filme realiza, não por acaso, Felicidade come o pão que o diabo amassou (que seria um nome mais coerente com o filme). Durante a sessão, vivendo algumas situações bastante desagradáveis até o momento o golpe derradeiro de sua filha revela que a mãe ainda está presa àquelas convenções (seu único momento realmente prazeroso é aquele autossuficiente na banheira). Existe muitas simbologias no cinema de Ana Carolina e várias delas rendem análises psicanalíticas até hoje, o mais interessante é que o gosto pelo absurdo ajuda a manter o filme atual em suas questões sobre o horror da banalidade e a inquietação feminina perante a realidade. Dentro da trilogia pensada pela diretora, Mar de Rosas seria a infância, enquanto o seguinte (Das Tripas Coração/1982) volta-se para a adolescência e Sonho de Valsa representa a maturidade. Os três trabalhos ajudaram a consolidar um estilo autoral bastante específico que foge do convencional e da linearidade narrativa, aspectos que se tornaram marca da cineasta ao lado de seu humor  peculiar. 

Mar de Rosas (Brasil/1977) de Ana Carolina com Norma Bengell, Cristina Pereira, Hugo Carvana, Otávio Augusto, Ary Fontoura e Myrian Muniz. ☻☻ 

quinta-feira, 18 de março de 2021

INDICADOS AO OSCAR 2021: Ator Coadjuvante

Daniel Kaluuya (Judas e o Messias Negro) O favorito da categoria vive o líder do movimento do Partidos dos Panteras Negras, Fred Hampton. Baseado em um personagem real, Daniel está bastante convincente, sabendo dosar o que o personagem tem de mais aguerrido e mais humano em um trabalho já premiado com o Globo de Ouro, o Critic's Choice Awards e indicado ao SAG. Vai ser difícil tirar o prêmio deste ator inglês de 32 anos já indicado anteriormente na categoria de melhor ator por Corra! (2017). O maior problema de Daniel é seu colega de elenco - que pode provocar divisão de votos entre os membros da Academia.  

Lakeith Stansfield (Judas e o Messias Negro) O ator ficou no grupo das grandes surpresas do Oscar, longe de seu trabalho ser ruim, mas por ter sido sugerido como ator principal durante toda a temporada de prêmios e a Academia resolveu indica-lo como coadjuvante. Se ele e Daniel são coadjuvantes, quem é o ator principal? Pergunte para os votantes que nem ele é capaz de responder. Lakeith interpreta o Judas do título, ou melhor, Bill O'Neal que a mando do FBI se infiltra entre os Panteras Negras para destruir Fred Hampton e seu grupo. Indicado pela primeira vez ao Oscar, Lakeith faz um trabalho intimista e cheio de conflitos. Vale lembrar que Lakeith e Daniel já trabalharam juntos no oscarizado Corra!.

Leslie Odom Jr (Uma Noite em Miami) É interessante notar que entre os quatro personagens famosos do longa de Regina Kin, foi Sam Cooke que caiu nas graças dos prêmios. Cantor, compositor e empresário americano, Sam ficou conhecido como o Rei do Soul e sua vida geraria um filme solo bastante interessante (aos interessados tem um documentário sobre ele na Netflix). Leslie confere bastante carisma ao personagem que se destaca no encontro imaginário entre Cassius Klay, Malcolm X e Jim Brown para conversar um pouco sobre militância e representatividade em 1964. Cooke também está indicado ao prêmio de melhor canção original por "Speak Now". O elogiado filme ainda concorre a melhor roteiro adaptado.  

Paul Raci (O Som do Silêncio) Entre tantos personagens reais, Paul Raci é o responsável pelo único personagem fictício da categoria. O ator está perfeito como o mentor do protagonista que perde a audição e precisa aprender a lidar com sua nova vida. O ator está tão convincente que eu imaginei que ele fosse surdo na vida real. A explicação para a desenvoltura da interpretação está no fato de Raci ser filho de pais surdos, o que o torna bastante fluente na Língua de Sinais Americana. Veterano da Guerra do Vietnã, Raci já participou de várias séries de televisão e tem uma banda de rock que toca covers do Black Sabath! Esta é sua primeira indicação ao Oscar. 

Sacha Baron Cohen (Os Sete de Chicago) Pode parecer implicância, mas não consigo entender a presença do ator nas premiações pelo filme de Aaron Sorkin. Acho que por ele estar mais sério que de costume, as pessoas resolveram fazer este agrado. Sacha interpreta o ativista Abbie Hoffman, um anarquista co-fundador do Partido Internacional da Juventude e que se torna um dos sete réus do processo abordado durante o filme. Para quem já fez de tudo em comédia, Sacha tira de letra toda a ironia do personagem! Em 2007, Sacha concorreu ao Oscar pela primeira vez na categoria de roteiro adaptado pelo primeiro filme de Borat (2006) e este ano também concorre pelo roteiro adaptado de Borat: Fita de Cinema Seguinte. O que faz dele o mais indicado ao Oscar da lista. 

O ESQUECIDO: Bill Murray (On The Rocks) Muita gente pensou que a nova parceria com Sofia Coppola (sua diretora em Encontros e Desencontros/2003 que lhe indicou pela primeira e única vez ao Oscar) colocaria o veterano novamente na mira da Academia, mas não foi bem assim. Ao viver o pai que desconfia que o esposo de sua filha a trai, Bill faz mais do mesmo no tipo de personagem que já acostumamos a vê-lo interpretar faz tempo. É verdade que a plateia curte, mas a Academia não curtiu muito não. Na reta final eram mais certas as indicações de Jared Leto (Pequenos Vestígios) e até do fofo Alan King (Minari)

terça-feira, 16 de março de 2021

Na Tela: Judas e o Messias Negro

Daniel e Lakeith: coadjuvantes da História no Oscar 2021.

Lançado na reta final da temporada de premiações, Judas e o Messias Negro ousou adotar uma estratégia bastante arriscada. Sem exibições em grandes festivais ou divulgações antecipadas para os críticos, o filme contou apena com seus próprios méritos para chamar atenção do público. Houve quem dissesse que tanta precaução na verdade era a dúvida de lançar o filme para esta temporada ou guardar o lançamento para quando a pandemia fosse coisa do passado. A sorte do longa é que ele possui méritos suficientes para  figurar entre as melhores produções do ano, assim, depois de uma indicação ao Globo de Ouro (melhor ator coadjuvante para o  premiado Daniel Kaluuya) ele chega ao Oscar potencializado com seis indicações (Melhor Filme, roteiro original, roteiro original, fotografia, canção e a confusa indicação à melhor ator coadjuvante para Daniel e Lakeith Stanfield). Esta rivalidade entre os dois na categoria de coadjuvante pode comprometer o favoritismo de Daniel e envolve diretamente os meandros do Oscar, já que os produtores propuseram que Lakeith concorresse toda a temporada como ator principal e parte dos votantes do Oscar decidiram que ele era o verdadeiro coadjuvante da história. Este aspecto fala bastante sobre a estrutura narrativa do filme em si, já que ambos compõem a alma do filme e faz a narrativa avançar entre a simbologia que o título destaca. Desde a primeira cena, Bill O'Neal (Lakeith) é apresentado como um mentiroso profissional, capaz de andar com um distintivo falso por aí até que um dia é descoberto e convidado pelo FBI para se infiltrar no partido dos Panteras Negras. O plano faz parte da estratégia para silenciar o carismático líder do grupo, Fred Hampton (Daniel Kaluuya). Enquanto se infiltra no grupo, Bill começa a ter seus próprios conflitos diante dos ideais representados por Fred e seus companheiros de militância. Sendo um traidor, por vezes nem mesmo ele sabe de que lado está numa trama que sabemos como terminará. O roteiro não chega a apresentar os dois personagens como amigos, mas os revela com uma proximidade suficiente para que a relação gere confiança proporcional aos estragos consideráveis que virão. Se Daniel está bastante expansivo e convincente como um líder da militância afro-americana, Lakeith vai para o caminho oposto, mais contido, inseguro e com olhos que revelam todo o desconforto de ser uma fraude. Se Fred tem a doce Deborah (Dominique Fishback lembrada no BAFTA de coadjuvante) para revelar seu lado mais intimista, Bill tem o agente Roy Mitchell (o sempre estranho Jesse Plemons) para atazanar cada vez mais suas ideias. É interessante como diretor estrante Shaka King demonstra não apenas segurança em sua narrativa, mas como apresenta seus personagens principais como peças de uma história muito maior e que revela algo que por muito tempo estava escondido em torno dos Panteras Negras. Existe aqui um jogo político entre uma população marginalizada e um governo capaz de tudo para detê-la, o que torna a violência uma constante. Com cenas impressionantes de tão realistas que nos coloca no meio daqueles espaços, o diretor subverte aquela impressão inicial de “mais um filme politizado”, ele amplia o filme quando se ancora em camuflar a mentira em contato com a verdade (seja identitária ou política, se bem que ambas são bastante mescladas no roteiro). Esta sensação fica ainda mais presente quando vemos a antológica entrevista do verdadeiro Bill O'Neal em que ele parece contar uma outra versão da história para si mesmo e esta se torna seu maior tormento.  

Judas e o Messias Negro (Judas and the Black Messiah / EUA - 2021) de Shaka King com Daniel Kaluuya, Lakeith Stanfield, Dominique Fishback, Jesse Plemons, Martin Sheen e Algee Smith. ☻☻☻☻

segunda-feira, 15 de março de 2021

INDICADOS AO OSCAR 2021

 
Oscar 2021: oito candidatos a melhor filme do ano. 

Hoje conhecemos os indicados ao Oscar do ano em que o cinema teve que se virar por conta da pandemia. Como era esperado, os serviços de streaming fizeram a festa, sobretudo a Netflix com 35 indicações (graças também a ter o mais indicado do ano em seu catálogo). Quem acompanhou o início da temporada de ouro já tinha mais ou menos em vista quem seriam os indicados, mas os votantes reservaram ainda algumas surpresas. Seja por escolher somente oito para a lista de melhor filme do ano (deixando alguns favoritos de fora), colocarem o dinamarquês Thomas Vinterberg no lugar que era esperado ser de Regina King, cravar Lakeith Stainfeld na categoria de coadjuvante e deixar Jodie Foster fora da categoria de atriz coadjuvante. Também fiquei surpreso com a presença de Professor Polvo entre os documentários (eu assisti e não escrevi sobre ele... ops!) e adorei o espaço reservado para o chileno O Agente Duplo na mesma categoria. Falando em documentários, o romeno Collective alcançou a proeza de ser indicado tanto em documentário quanto filme estrangeiro (algo que o candidato brasileiro Babenco tanto desejava e ficou longe de conseguir). Antes de mencionar a lista, vale ainda ressaltar a histórica indicação de duas mulheres na categoria de direção (e uma delas é a grande favorita), Viola Davis se consagrando como a atriz afro-americana mais indicada ao Oscar (quatro indicações até agora) e Steve Yeun se tornando o primeiro descendente asiático a aparecer na lista de melhor ator. E o que falar de Glenn Close lembrada tanto no Oscar quanto no Framboesa de Ouro pelo mesmo papel? Gosto não se discute, sendo assim, façam suas apostas até a cerimonia de 25 de abril:

Melhor Filme


Melhor ator coadjuvante


Melhor filme em língua estrangeira
“Another Round” (Dinamarca)
"Collective" (Romênia)
"Quo vadis, Aida?" (Bósnia e Herzegovina)

Melhor Animação
“Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica”

Melhor curta de animação
"Burrow"
"Genius Loci"
"If anything happens I love you"
"Opera"
"Yes people"

Melhor curta-metragem em live action
"Feeling through"
"The letter room'"
"The present"
'"wo distant strangers"
"White Eye"

Melhor documentário de curta-metragem
"Collete"
"A concerto is a conversation"
"Do not split"
"Hunger ward"
"A love song for Natasha"


Melhor som
"Greyhound: Na mira do inimigo"

Melhor Canção Original
"Husa'vik" - (Eurovision: A saga de Sigrit e Lars"