Cinco filmes assistidos em março que merecem destaque:
quarta-feira, 31 de março de 2021
domingo, 28 de março de 2021
FILMED+: Jamais Nevará Novamente
Nas primeiras cenas do filme, Zhenia (Alec Utgoff) caminha próximo de luzes que piscam enquanto ele caminha. O que poderia ser apenas um detalhe revela bem mais sobre o personagem do que imaginamos, mas só percebemos isso depois, em uma entrevista em que ele revela ter nascido na Ucrânia, em uma cidade perto de Chernobyl. Ele tinha apenas sete anos quando o trágico acidente nuclear ocorreu. Logo aparece o comentário de que ele pode ser radioativo. E pode mesmo. Trabalhando como massagista, todos os seus clientes relatam a experiência maravilhosa que é deixar-se levar pelas sensações que Zhenia é capaz de proporcionar, não apenas pelas massagens, mas também pelas conversas, sessões de hipnose e outras habilidades que o misterioso rapaz revela ao chegar em um condomínio de luxo em Varsóvia. Se por um lado o filme se desenvolve através das interações do protagonista com aqueles moradores e seus problemas, por outro lado a diretora Malgorzata Szumowska alimenta gradativamente a curiosidade do espectador em torno de seu personagem. Flertando com os filmes de super-heróis, ela constrói um filme de origem com cadência tão vagarosa quanto envolvente, que tem a sorte de contar com Alec Utgoff no alto dos créditos. Nascido na Ucrânia e naturalizado britânico, Alec faz um trabalho bastante excepcional num papel complicado que oscila entre a comédia refinada e o drama introspectivo, mas sem perder as camadas sedutoras que seu personagem é capaz de emanar. Assim, o ator e a diretora constroem uma verdadeira aura magnética em torno do massagista - e a torna tão palpável para os personagens do filme quanto para a plateia. Pode se dizer que Utgoff já ensaiou isso antes quando interpretou o adorável russo Alexei na terceira temporada de Stranger Things) e bem que o ator merecia aparecer mais vezes no cinema. O roteiro investe muito na fantasia para instigar o espectador a respeito da origem de Zhenia e seus poderes, seja com diálogos melancólicos ou cenas de flashback, mas sem perder de vista um tom de mistério. Existem também aquelas cenas estilizadas muito bem trabalhadas na espécie de transe em que os personagens mergulham perante os poderes do rapaz. Sem perder de vista o ponto de partida de um forasteiro que muda a vida de todos somada à metáforas políticas e sociais (inclusive sobre imigração na Europa), Jamais Nevará Novamente termina mantendo o mistério acerca de Zhenia e rende um dos desfechos mais poéticos do cinema recente. Quem curte filmes do Leste Europeu perceberá que a diretora segue um caminho completamente oposto da abordagem do húngaro Kornél Mundruczó em Lua de Júpiter/2017 (que também apresentava um imigrante com poderes especiais e suas consequências) além de fazer uma citação ao cultuado Stalker/1979 de Tarkovski. No entanto, mesmo com tantos predicados, o filme perdeu o Leão de Ouro do Festival de Veneza (para Nomadland) e também ficou de fora ao Oscar de Filme Estrangeiro em que representava a Polônia, mas ainda assim é um dos filmes mais inventivos que assisti recentemente.
Jamais Nevará Novamente (Sniegu juz nigde bie bedgie / Polônia - Alemanha / 2020) de Malgorzata Szumowska com Alec Utgoff, Maja Ostaszewska, Agata Kulesza, Katarzyna Figura, Lukasz Simlat e Andrzej Chyra e Weronika Rosati. ☻☻☻☻☻
sábado, 27 de março de 2021
PL►Y: O Refúgio
O Refúgio (The Nest / Reino Unido - Canadá / 2020) de Sean Durkin com Carrie Coon, Jude Law, Oona Roche, Charlie Shotwell, Tanya Allen e Michael Culkin. ☻☻☻☻
PL►Y: DRUK - Mais uma Rodada
Quatro professores seguem suas vidas normalmente na maturidade. Já alcançaram estabilidade profissional, a situação familiar que desejavam vai bem e suas rotinas funcionam dentro de um confortável relógio de segurança, comodidade e previsibilidade. Se para três deles tudo parece absolutamente satisfatório, com Martin (Mads Mikkelsen) a situação é um pouco mais complicada. O casamento dele chegou naquele ponto morno em que todos os dias são iguais, a esposa e os filhos convivem com ele na mesma casa, mas ele não é muito diferente daquela poltrona confortável que gostamos de ver na sala. No trabalho também os alunos reclamam de suas aulas serem desinteressantes e, por conta disso, o melancólico Martin corre até o risco de perder o emprego. Nem mesmo Martin sabe em que ponto a vida se tornou daquele jeito, menos pela rotina que segue e mais pela sensação de que perdeu a graça faz um tempo. Eis que um belo dia, seus três amigos comentam sobre a teoria de um psiquiatra norueguês de que o homem precisa de 0,05% de álcool no sangue ao dia para viver melhor, ou seja, com mais humor, leveza e menos tensão. Assim, junto aos amigos Tommy (Thomas Bo Larsen), Nikolaj (Magnus Millang) e Peter (Lars Ranthe), Martin irá fazer uma "pesquisa" se a teoria realmente funciona. Para dar conta disso, tomarão sua dose de álcool de manhã antes de ir para o trabalho e ver o que acontece. Não vale dizer os detalhes desta vida de cobaia vivida pelo quarteto, mas cabe dizer que conforme percebem que o álcool os ajuda a enfrenta melhor seu cotidiano, eles imaginam que aumentando a dose a coisa pode melhorar mais ainda. Ledo engano.O filme de Thomas Vinterberg concorre ao Oscar de Filme Estrangeiro e fez com que o cineasta, co-fundador do movimento Dogma95 (cujo seu bombástico Festa de Família/1998 é o primogênito) se torne o primeiro diretor dinamarquês indicado ao Oscar de Melhor Direção. Talvez o fato de Thomas não fazer julgamentos morais sobre seus personagens crie um desconforto na plateia, afinal existem apenas um comentário de um personagem aqui e outro ali sobre a situação em que os personagens se meteram, existem também algumas situações pesadas e outras que poucos diretores ousariam escrever e mostrar. Embora os desavisados possam enxergar aqui uma apologia ao alcoolismo, o que interessa ao filme são outras questões: por que aqueles personagens precisam do álcool para se sentir bem e, mais ainda, por que a vida pode perder a graça quando se atinge a maturidade? Por que as obrigações acabam se tornando mais importantes do que aquilo que nos dá prazer? Druk não traz respostas, mas subverte as emoções da plateia, fazendo muitas vezes alegria e tristeza emanar de uma mesma cena, especialmente quando Martin está em cena. Por conta disso, vale dizer que Mads Mikkelsen é um verdadeiro colosso! Lembrado no BAFTA de melhor ator, houve uma grande campanha para que o dinamarquês fosse indicado ao Oscar pela primeira vez. Mads já trabalhou com o diretor em outro filme, o ótimo A Caça (2012) que também concorreu ao Oscar de filme estrangeiro (e rendeu a Mikkelsen o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes). Mads faz seu personagem ser a alma do filme, da melancolia absoluta, passando por uma renovação surpreendente pouco antes dele cair num abismo que lhe parece tão irresistível. Sem dúvida ele é um dos melhores atores da atualidade (basta lembrar que ele teve coragem de reimaginar um ícone feito Hannibal Lecter em uma série de televisão e não fazer feio. Falando nisso, a retomada de Hannibal sai ou não sai?). Druk fala mais do que sobre bebida, é principalmente sobre as relações, seja no casamento, no trabalho, com os amigos, com a vida em si e principalmente com você mesmo.
sexta-feira, 26 de março de 2021
INDICADOS AO OSCAR 2021: Atriz Coadjuvante
quinta-feira, 25 de março de 2021
PL►Y: Minari
domingo, 21 de março de 2021
PL►Y: Liga da Justiça de Zack Snyder
PL►Y: Festa de Família
#FDS Ana Carolina: Gregório de Mattos
Fechando este Final de Semana com a cineasta Ana Carolina está aquele que poderia ser considerado seu filme mais simples e também o mais difícil. Depois de fechar a trilogia feminina (Mar de Rosas, Das Tripas Coração e Sonho de Valsa), a diretora ficou treze anos sem lançar filme algum até retornar com o ótimo Amélia (2000). Para delírio dos fãs, dois anos depois ela lançou Gregório de Mattos, média metragem dedicado ao poeta. O filme se constrói de forma bastante particular a partir do nascimento do artista sob a narrativa de uma freira vivida por Marília Gabriela, pouco depois é a vez de Waly Salomão já aparecer recitando a obra do artista. Nascido na Bahia em 1636, os textos de Gregório sempre incomodaram os poderosos da época por conta de seu jogo de palavras, humor jocoso e crítica social, o que o levou a ser apelidado de O Boca do Inferno. Filmado com locações em Niterói no estado do Rio de Janeiro, utilizando fotografia sépia, direção de arte que remete diretamente ao barroco e quase todo falado em português seiscentista o filme pode se tornar um programa árido para boa parte do público por não ser propriamente um documentário sobre a vida de Gregório ou uma dramatização sobre a sua vida. Fã da obra do escritor, Ana deixa a poesia do escritor falar por si só, dando a perceber sua afinidade com as provocações do autor. A opção por utilizar freiras como coadjuvantes para o protagonista também faz pleno sentido não apenas pelo contexto histórico da época, mas também como uma marca de uma cineasta que sempre lançou um olhar crítico sobre arquétipos conservadores (o filme também conta com atores interpretando escravos, mas de forma descontextualizada). Seria um equívoco dizer que Waly Salomão interpreta Gregório, já que ele é um poeta recitando a obra de outro poeta. Ainda que utilize muito as mãos e as entonações para enfatizar a obra, o que temos aqui está longe de ser um personagem. A profusão de poesias apresentadas pelos atores deve agradar os fãs do homenageado, mas o grande público terá a impressão de estar presente num recital dramatizado. Melhor rendimento tem Marília Gabriela que na época estava empenhada para ter uma carreira de atriz, deixando um pouco a imagem de jornalista de lado e trabalhando em novelas, peças de teatro e filmes. Ela compõe uma personagem bastante carismática, ainda que tenha certo didatismo, ela faz a presença de sua freira ser muito bem vinda com expressões que emprestam certo humor para a produção. Apesar de todos os riscos que assume, Gregório de Mattos é o filme mais simples da cineasta e ao mesmo tempo um tanto árduo de assistir. Se você entrar no clima, verá suas qualidades, caso contrário, a duração curta (70 minutos) poderá parecer uma eternidade.
Gregório de Mattos (Brasil/2002) de Ana Carolina com Waly Salomão, Marília Gabriela, Elisa Lucinda, Ruth Escobar e Xuxa Lopes. ☻☻
sábado, 20 de março de 2021
#FDS Ana Carolina: Das Tripas Coração
Se algumas pessoas ficaram incomodadas com a estreia de Ana Carolina em Mar de Rosas (1977), acredito que Das Tripas Coração, incomodou muito mais. Ambientado numa escola só para mulheres, Ana permanece em seu interesse pelo feminino e as relações de poder, não sendo por acaso que o longa começa com um homem (Antonio Fagundes) chegando à tal escola anunciando o seu fechamento. A escola não é apenas um internato voltado para meninas, como também é dirigida por mulheres. Esta relação de poder ainda é ilustrada pelo vínculo religioso que a instituição possui, com seu crucifixo pendurado na parede, a missa durante a tarde e uma sala de punições (embora a figura de um padre vivido por Ney Latorraca já indica que não pode ser levada a sério). Porém, o filme subverte todos os elementos que possui, quebrando regras e padrões de conduta, criando uma narrativa que começa séria, torna-se bem humorada e torna-se cada vez mais ácida no que se espera de uma escola para moças. No centro da trama estão Renata (Dina Sfat) e Miriam (Xuxa Lopes, que depois faria a obra-prima Sonho de Valsa com a diretora), as principais responsáveis por administrar a escola. Existe uma certa tensão entre as duas por conta de um professor (Fagundes), que fala declamando enquanto flerta com ambas, e rende reflexões sobre o desejo do trio. No entanto, existem muitas outras mulheres diante da câmera, as duas professoras veteranas, Nair (Nair Bello) e Muniza (Miriam Muniz), a equipe de limpeza (que conta com Cristina Pereira e Stela Freitas) e um bando de alunas barulhentas que estão bem longe de obedecer as normas de boa conduta da instituição (a mais conhecida é a Maria Padilha). O texto brinca um pouco com os conflitos geracionais destes grupos e existem várias provocações, conversas sobre sexo e musiquinhas com obscenidades além de posturas bastante lascivas dos homens presentes naquela escola (o médico, o zelador, o Othon Bastos e por aí vai...) criando uma narrativa que se distancia cada vez mais da realidade rumo à uma atmosfera onírica que se intensifica perto do final. Esta ideia de que tudo não passa de um sonho ou fantasia é o que faz com que o filme se liberte das convenções e enverede pelo tom caótico em vários momentos. Ana aproveita para fazer o que bem entende com o cenário que tem em mãos, da imagem de Cristo que fala com os personagens, das reflexões de Miriam (pérolas como "a vingança tem gosto de presunto cru", algo muito semelhante no que vemos na parceria seguinte entre Xuxa e Ana), da libido incontrolável da adolescência, do incêndio com as duas senhoras explicando que a vida tem de tudo, alguns personagens que flertam com a homossexualidade, bissexualidade e até a transexualidade, sem esquecer da rivalidade entre as duas administradoras, da professora inerte vivida por Cristiane Torloni ou a classe de Célia Helena ser preterida pela permissividade. Ana esgarça ainda mais o tom de absurdo com muita subversão, evocando a ideia do último dia de aula na escola quase cono o anúncio do apocalipse. Seja nos diálogos ou nas ações, o filme compõe uma verdadeira ousadia que parece até perder as estribeiras em vários momentos. Se no primeiro filme a protagonista não sabia muito para onde ir, agora, Ana Carolina coloca suas mulheres indo para qualquer lugar. Vale lembrar que o filme foi lançado num período complicado do cinema brasileiro e, de certa forma, o fechamento da escola e a crise qie motiva isso, fizeram muitos analisarem que se tratava de uma simbologia com o cinema nacional pós-pornochanchada. Ver o filme por esta ótica lhe empresta ainda novas camadas e leituras quase trinta anos depois de seu lançamento.
Das Tripas Coração (Brasil/1982) de Ana Carolina com Dina Sfat, Antonio Fagundes, Xuxa Lopes, Nair Bello, Myrian Muniz, Cristina Pereira, Maria Padilha, Ney Latorraca, Stella Freitas, Célia Helena, Eduardo Tornaghi, Cristiane Torloni e Patricio Bisso. ☻☻☻
sexta-feira, 19 de março de 2021
#FDS Ana Carolina: Mar de Rosas
Ana Carolina Teixeira Soares, ou simplesmente, Ana Carolina está entre os maiores nomes do cinema brasileiro. Infelizmente ela filma pouco e ao longo de quarenta e oito anos como cineasta, lançou apenas oito filmes. A primeira vez em que tive contato com sua obra foi com Sonho de Valsa (1987), filme que por acaso encerra sua trilogia feminina iniciada com este Mar de Rosas (1977). Exibido no Festival de Cinema de Paris e no Festival de Berlim, o filme foi bastante elogiado e ao chegar nos cinemas brasileiros se tornou um verdadeiro acontecimento com seu discurso de independência emocional da mulher. Além disso, Ana realiza uma obra que rompe com vários parâmetros da época ainda muito marcada pelo cinema novo. Em vários momentos Mar de Rosas é pura provocação, a começar pela ironia do título, afinal não existe nada de muito tranquilo ou agradável na vida da personagem de Norma Bengell, a Dona Felicidade (outra ironia). Ela está há horas dentro de um carro viajando com o marido (Hugo Carvana) e a filha (Cristina Pereira estreando no cinema) e desde o início vemos que aquele família vai de mal a pior. Vemos que o diálogo inexiste e não demora muito para que as discussões comecem. A viagem que é anunciada como uma tentativa de salvar o casamento, logo se mostra uma verdadeira provação para aquela família e não demora muito para que gritos e agressões físicas explodam, culminando no momento em que Felicidade acredita ter matado o esposo e foge com a filha. O relacionamento entre as duas também não é dos melhores, já que a filha começa a realizar uma série de tentativas de ferir a mãe (com direito até a um caminhão que quase soterra a mãe dentro de um consultório médico) e a presença de um misterioso novo homem por perto (Otávio Augusto) apenas faz com que a tensão de um casal maduro volte a cena. Existe muita histeria, desentendimentos e uma certa bagunçada lavagem de roupa suja durante o filme que flerta constantemente com o absurdo. Ana Carolina apresenta aqui seu fluxo de ideias bastante particular, que volta-se para as figuras de autoridade (o esposo, o policial, o médico...), diálogos com frases feitas e mulheres insatisfeitas que não se conformam com o lugar que ocupam nesta estrutura. A forma como a protagonista revela com certo pesar o seu nome, diz muito sobre a mistura de drama e comédia que o filme realiza, não por acaso, Felicidade come o pão que o diabo amassou (que seria um nome mais coerente com o filme). Durante a sessão, vivendo algumas situações bastante desagradáveis até o momento o golpe derradeiro de sua filha revela que a mãe ainda está presa àquelas convenções (seu único momento realmente prazeroso é aquele autossuficiente na banheira). Existe muitas simbologias no cinema de Ana Carolina e várias delas rendem análises psicanalíticas até hoje, o mais interessante é que o gosto pelo absurdo ajuda a manter o filme atual em suas questões sobre o horror da banalidade e a inquietação feminina perante a realidade. Dentro da trilogia pensada pela diretora, Mar de Rosas seria a infância, enquanto o seguinte (Das Tripas Coração/1982) volta-se para a adolescência e Sonho de Valsa representa a maturidade. Os três trabalhos ajudaram a consolidar um estilo autoral bastante específico que foge do convencional e da linearidade narrativa, aspectos que se tornaram marca da cineasta ao lado de seu humor peculiar.
Mar de Rosas (Brasil/1977) de Ana Carolina com Norma Bengell, Cristina Pereira, Hugo Carvana, Otávio Augusto, Ary Fontoura e Myrian Muniz. ☻☻☻☻
quinta-feira, 18 de março de 2021
INDICADOS AO OSCAR 2021: Ator Coadjuvante
terça-feira, 16 de março de 2021
Na Tela: Judas e o Messias Negro
Lançado na reta final da temporada de premiações, Judas e o Messias Negro ousou adotar uma estratégia bastante arriscada. Sem exibições em grandes festivais ou divulgações antecipadas para os críticos, o filme contou apena com seus próprios méritos para chamar atenção do público. Houve quem dissesse que tanta precaução na verdade era a dúvida de lançar o filme para esta temporada ou guardar o lançamento para quando a pandemia fosse coisa do passado. A sorte do longa é que ele possui méritos suficientes para figurar entre as melhores produções do ano, assim, depois de uma indicação ao Globo de Ouro (melhor ator coadjuvante para o premiado Daniel Kaluuya) ele chega ao Oscar potencializado com seis indicações (Melhor Filme, roteiro original, roteiro original, fotografia, canção e a confusa indicação à melhor ator coadjuvante para Daniel e Lakeith Stanfield). Esta rivalidade entre os dois na categoria de coadjuvante pode comprometer o favoritismo de Daniel e envolve diretamente os meandros do Oscar, já que os produtores propuseram que Lakeith concorresse toda a temporada como ator principal e parte dos votantes do Oscar decidiram que ele era o verdadeiro coadjuvante da história. Este aspecto fala bastante sobre a estrutura narrativa do filme em si, já que ambos compõem a alma do filme e faz a narrativa avançar entre a simbologia que o título destaca. Desde a primeira cena, Bill O'Neal (Lakeith) é apresentado como um mentiroso profissional, capaz de andar com um distintivo falso por aí até que um dia é descoberto e convidado pelo FBI para se infiltrar no partido dos Panteras Negras. O plano faz parte da estratégia para silenciar o carismático líder do grupo, Fred Hampton (Daniel Kaluuya). Enquanto se infiltra no grupo, Bill começa a ter seus próprios conflitos diante dos ideais representados por Fred e seus companheiros de militância. Sendo um traidor, por vezes nem mesmo ele sabe de que lado está numa trama que sabemos como terminará. O roteiro não chega a apresentar os dois personagens como amigos, mas os revela com uma proximidade suficiente para que a relação gere confiança proporcional aos estragos consideráveis que virão. Se Daniel está bastante expansivo e convincente como um líder da militância afro-americana, Lakeith vai para o caminho oposto, mais contido, inseguro e com olhos que revelam todo o desconforto de ser uma fraude. Se Fred tem a doce Deborah (Dominique Fishback lembrada no BAFTA de coadjuvante) para revelar seu lado mais intimista, Bill tem o agente Roy Mitchell (o sempre estranho Jesse Plemons) para atazanar cada vez mais suas ideias. É interessante como diretor estrante Shaka King demonstra não apenas segurança em sua narrativa, mas como apresenta seus personagens principais como peças de uma história muito maior e que revela algo que por muito tempo estava escondido em torno dos Panteras Negras. Existe aqui um jogo político entre uma população marginalizada e um governo capaz de tudo para detê-la, o que torna a violência uma constante. Com cenas impressionantes de tão realistas que nos coloca no meio daqueles espaços, o diretor subverte aquela impressão inicial de “mais um filme politizado”, ele amplia o filme quando se ancora em camuflar a mentira em contato com a verdade (seja identitária ou política, se bem que ambas são bastante mescladas no roteiro). Esta sensação fica ainda mais presente quando vemos a antológica entrevista do verdadeiro Bill O'Neal em que ele parece contar uma outra versão da história para si mesmo e esta se torna seu maior tormento.
Judas e o Messias Negro (Judas and the Black Messiah / EUA - 2021) de Shaka King com Daniel Kaluuya, Lakeith Stanfield, Dominique Fishback, Jesse Plemons, Martin Sheen e Algee Smith. ☻☻☻☻
segunda-feira, 15 de março de 2021
INDICADOS AO OSCAR 2021
Melhor atriz
Viola Davis ("A voz suprema do blues")
Andra Day ("The United States vs. Billie Holiday")
Vanessa Kirby ("Pieces of a Woman")
Frances McDormand ("Nomadland")
Carey Mulligan ("Bela vingança")
Melhor ator de filme - Drama
Riz Ahmed (“O som do silêncio”)
Chadwick Boseman (“A voz suprema do blues”)
Anthony Hopkins (“Meu pai”)
Gary Oldman (“Mank”)
Steve Yeun ("Minari")
Daniel Kaluuya (“Judas e o Messias negro”)
Paul Raci ("O Som do Silêncio")
Glenn Close (“Era uma vez um sonho”)
Olivia Colman (“Meu pai”)
Maria Bakalova (“Borat: Fita de cinema seguinte”)
Amanda Seyfried (“Mank”)
Melhor filme em língua estrangeira
“Another Round” (Dinamarca)
“Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica”
“O céu da meia-noite” – Alexandre Desplat
“Tenet” – Ludwig Göransson
“Relatos do Mundo” – James Newton Howard
“Mank” – Trent Reznor, Atticus Ross
“Soul” – Trent Reznor, Atticus Ross, Jon Batiste
"Husa'vik" - (Eurovision: A saga de Sigrit e Lars"
“Io Si (Seen)” (Rosa e Momo)
“Speak Now” (Uma noite em Miami)
“Fight for You” (Judas e o Messias Negro)